Cannes 68

O vigésimo primeiro festival de Cannes foi marcado por uma França que estava no meio das revoluções sociais. Protestos vinham de trabalhadores, que logo receberam a aderência do movimento estudantil e dos defensores da sétima arte ,  fatores que juntos causaram desdobramentos no festival daquele ano. A euforia do pós-guerra rondava a nova geração, e o espírito de mudança rondava às telas. Existia a necessidade de se desentralhar do que havia sido deixado: sexismo, racismo, colonialismo e a repressão sexual. Uma ética liberal (no seu sentido mais livre) crescia.

Podemos traçar um paralelo entre as mudanças de 68, que por sua vez foram marcadas pelo sentimento de anti guerra, o crescimento da corrente pacifista ao processo global. Entretanto hoje vivemos a o anti do que foi conquistado em 68. Convivemos um sentimento de repreensão, devido à ascensão de governos autoritários pela América Latina. Maio de 68 foi responsável pela criação de uma contracultura, que não ficou atada apenas à França. Devido à solidarização por aqueles que sofriam desdobramentos da Guerra do Vietnã, formou-se uma crise moral ‘’ books not guns’’ (em tradução: “livros, não armas”).

A abertura do evento se deu com a exibição do filme Gone with the Wind (…E o Vento Levou), que logo após  — em solidariedade àqueles que protestavam —  os diretores franceses Godard e Truffaut anunciariam que seria melhor o fim do festival naquele fatídico ano. Diversos diretores retiraram seus filmes da tradicional exibição, aderindo ao gesto de boicote, e entre eles incluindo os jurados e também diretores Roman Polanski e Milos Forman. O evento teve seu término no dia 19 de maio, 6 dias após o seu começo, selando assim a entrega da Palma de Ouro pela política.

Godard: “E vocês estão falando de tracking shots e close ups! Vocês são idiotas!”

Os ideais foram encorporados desde intelectuais como Hebert Marcuse, que defendia a nova esquerda, e também sobre o impacto do cinema, sobretudo do movimento Nouvelle Vague, que tomava espaço do cinema clássico e pregava a transgressão dos valores morais, o rompimento da idealização da verdade absoluta e o anti poder, que em síntese era a busca de novos caminhos.

Um bom exemplo é o filme A Chinesa (1967). Com a liderança de Godard e um significativo grupo de cineastas – Alfred Hitchcock, Federico Fellini e Akira Kurosawa – levaram à frente os protestos, formulando um manifesto nomeado “Os Estados Gerais do Cinema”, que fazia referência direta à Revolução Francesa.

Cena do filme A Chinesa: “Uma minoria com as ideias certas não é uma minoria.”

O contexto social francês, até hoje, marca a premiação de Cannes. Vemos por ano atrás de ano simbólicos protestos nos tapetes vermelhos, uma banca de júri geralmente integrada por membros aliados aos movimentos sociais, e atores que participam abertamente de movimentos sociais no antro hollywoodiano. Apesar disso, infelizmente nunca mais teremos a chance de ver Godard perdendo os óculos num meio de um tumulto social.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *