Crítica – A Febre de Petrov

Anos atrás, fiquei subitamente doente, e um dos sintomas foi uma forte febre, que me deixou acamado por alguns dias. No seu auge, a condição me deixou delirante, o que me fez interpretar a realidade de maneira particularmente imaginativa. A ida da minha mãe para comprar um remédio na farmácia, virou, na minha cabeça, uma jornada por uma cidade destruída por um terremoto, pulando por abismos na busca da cura para minha condição.

Menos fantástico, mas igualmente delirante, é a narrativa de A Febre de Petrov, acompanhando o personagem titular em um momento da sua vida onde encara o sintoma, mas cuja rotina o impede de ficar em casa até melhorar. Nos primeiros momentos do longa, há uma sensação muito tátil do delírio nervoso que acompanha a condição. Petrov (Semyon Serzin) está pálido, suado, com uma tosse seca insistente e o ambiente ao redor contribui para o estado de inquietação. O protagonista se encontra em um ônibus lotado, com figuras estranhíssimas. Uma cobradora que grita, um idoso, a primeira vista gentil, inicia um monólogo machista após uma criança lhe oferecer um assento. Do lado de fora, pessoas são fuziladas diante de um paredão, cena observada pelos passageiros do ônibus na passividade completa.

Há de se destacar o trabalho de câmera nesse momento, com uma movimentação nervosa e fluida, passeando entre os rostos e situações com agilidade, saindo e entrando de ambientes variados. É fácil perceber o esforço técnico do diretor Kirill Serebrennikov em dar vida ao estado febril do personagem principal.

No entanto, essa energia logo se dissipa, conforme personagens e situações vão sendo acrescentadas à trama. Por mais que a lógica onírica seja, de fato, complicada de se entender, sem deixar de ser uma lógica. Vendo A Febre de Petrov, porém, a impressão é que um sentido, mesmo que obtuso, dá espaço para aleatoriedade dos acontecimentos, que prezam por uma bizarrice pueril. Certo momento, a mulher de Petrov, Nurlinsa (Chulpan Khamatova) entra na história, e parece ser responsável por uma série de mortes que vem acontecendo na região, assim como dotada de super-poderes. Uma sequência mostra a personagem ficando extremamente forte para lidar com um usuário violento da biblioteca onde trabalha.

Um elemento comum a essas sequências é a violência, seja verbal ou física. Quase toda interação é marcada por uma agressão, que vira algo normal na vida dessas pessoas. Um fuzilamento não comove ninguém, uma mulher arrastando um homem no chão por uma biblioteca idem. Talvez um comentário geral sobre o estado das coisas após a queda da União Soviética? Nada dura muito para deixar uma impressão, até o espaço temporal do filme é subentendido, e logo o presente vira passado e vice-versa, a linha do longa está mais para uma fita de Möbius.

Assim, a obra de Serebrennikov fica entre o intrigante e o maçante, mais ou menos como observar alguém delirante, sem saber exatamente o que se passa na cabeça da pessoa. Há uma vontade em trazer o espectador para mais perto dos acontecimentos, às vezes até literalmente, com uso de perspectivas subjetivas em algumas cenas, mas não se torna o bastante. Ficamos como os passageiros do ônibus vendo o fuzilamento: apáticos.

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