Produções com minorias são automaticamente boas?

Estreou recentemente no Brasil a nova versão, em live-action, de A Pequena Sereia. Uma das histórias mais famosas na animação na Disney é mais uma a ganhar adaptação com atores interpretando fisicamente, depois de muitas críticas as anteriores. No caso dessa, uma grande discussão se estabeleceu nas redes sociais desde o início: Ariel, a protagonista, não seria mais uma sereia branca, e sim negra. A personagem principal seria interpretada pela artista Halle Bailey. Obviamente, o caso chamou a atenção de racistas, que passaram a atacar de forma cada vez mais intensificada a Disney e a própria atriz.

Após algum tempo do caso ter abafado,  a discussão vem novamente a tona com o lançamento do longa. De críticas bem ruins, não foram poucos os comentários nas redes sociais que acusaram quem falou mal dele de ser conveniente com o racismo de alguns grupos. Do mesmo jeito, muitos não deixaram de falar mal de quem vinha a não valorizar o lado disruptivo da obra, em retratar uma protagonista negra. Uma das postagens, que ganhou maos repercussão foi essa, na qual falava de um vídeo da crítica Isabela Boscov:

Pois bem, apresentado o caso, é importante que algumas questões sejam levantadas. Primeiramente, eu ainda não assisti o novo A Pequena Sereia, e meus comentários não vão se basear em nada sobre o próprio filme em si. Pode ser bom, pode ruim, pode ser mediano, não assisti e não irei falar nada sobre. A questão é de como o verniz da representatividade ganha cada vez mais força para servir como quase uma defesa institucional das produções antes mesmo delas serem lançadas. Se algum filme, série, livro, etc, aparece com alguma minoria, ele é entendido como automaticamente positivo e não passível de crítica pela obra como é por algumas pessoas.

Esse discurso se torna complicado, primeiramente, por uma questão bem simples: as opiniões sobre produtos de arte podem e devem ser variadas. Um filme que tem uma protagonista negra, forte, e com uma relevância social no seu tema, pode ser ruim. Da mesma forma que alguma série com um homem branco, machista e reproduzindo falas problemáticas, também pode ser. Acima de tudo, é necessário compreender que o que está fora daquela obra de arte não pode servir como parâmetro para analisar a mesma. Obviamente, pode ser um contexto, uma explicação, mas nunca um motivo para algo que a produção faz por si só. Filmes, séries, livros, quadrinhos, e mais, são o que são pelo que são, e não pelo que as torna aquilo.

Outro ponto relevante é como essa argumentação pode construir cada vez mais problemas. A partir do momento que apenas a representativade importa, sem nenhuma perspectiva crítica disso, podemos aumentar cada vez mais exemplos de criações que reforçam esteriótipos, por exemplo, ou até mesmo que fingem ser representativas, mas no fim das contas pouco fazem. A própria Disney costuma fazer bastante isso, ao falar que tal filme teve “primeiro personagem gay das animações”, ou que uma série tem o “primeiro beijo gay das produções da Marvel“. Claro que estou exagerando aqui, mas é o ponto, de como essa falsa ideia de representativa vira… uma piada. Cito Marvel e se torna até engraçado que, após quase dez anos do MCU, o primeiro filme de uma heróina tenha vindo da DC nos cinemas. O discurso se transforma em vazio.

Por fim, nem sempre uma representativade é sinônimo de algo positivo ou bem feito. Produções, além dos esteriótipos, citados anteriormente, podem virar apenas um artifício para ser extremamente pesado com determinada minoria, criando até um problema maior. Em filmes de escravidão isso é algo até relativamente comum, infelizmente. Cito como exemplo 12 Anos de Escravidão, de Steve McQueen, que possui uma cena de tortura de um homem negro por quase 10 minutos. Parece positivo?

É importante dizer que a representatividade não é um problema. Longe disso, ela precisa ser cada vez maior e mais presente por toda a parte. Contudo, não pode aparecer apenas como uma piscada de olho atrás de fazer a audiência, em massa, defender seu longa, por exemplo, contra qualquer coisa. Em certo sentido, se transforma em uma maneira dos grandes estúdios se blindarem de uma própria repercussão negativa que venha a ter. Assim, é preciso que mais e mais minorias estejam presentes em tela, nas páginas, e inclusive atrás delas também, na equipe criativa. Entretanto, é preciso que esses lançamentos não sejam observados apenas sob um viés de uma importância fora do que a própria obra é.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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