Crítica – A Mulher na Janela

Logo em sua cena inicial, acompanhamos um caminho percorrido em quase toda a duração de A Mulher na Janela. Em uma segunda-feira, Anna Fox (Amy Adams) acorda e realiza seu ritual padrão de falar com o marido, de quem se divorciou, e a filha. Ela também vive trancafiada dentro de um casarão, estando próxima apenas do inquilino David (Wyatt Russell), que mora no sótão. Porém, tudo começa a se modificar em sua vida no momento em que percebe a chegada de uma nova família, dentro da casa da frente. O local, que parecia inabitado, agora ganha vida. Como qualquer realidade normal, Anna poderia chegar lá tentando ser gentil. O que acontece, porém, é que ela sofre de agorafobia, um medo que não a deixa sair pela porta da frente de casa. A partir desse ponto, começamos a enxergar a realidade desse mundo que será construído através da sua visão.

A direção de Joe Wright coloca alguns indícios sobre um possível transtorno de realidade que irá se desenvolver ao longo da narrativa. Para isso, ele usa, sempre antes de acordar, uma montagem hip-hop, quase relacionada a uma droga sendo injetada. Ao mesmo tempo em que nesses momentos lisérgicos abusa das cores, especialmente o vermelho e azul, criando um clima quase fantasioso por parte do olhar da personagem. Completando esse combo, o elemento, que se tornará primordial para a visão de mundo e brincadeiras da trama posteriormente, é a relação dela com filmes. Aparece em uma primeira sequência logo uma referência a Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, que será usado como paralelismo à exaustão.

Mas por que esses elementos são relevantes? Todos eles evocam uma dúvida que paira sobre um discernimento ou não sobre esse mundo por parte do olhar de Anna. Essa construção traz um olhar deturpado do telespectador para a grande situação que vai envolver a trama: o assassinato de Jane Russel (Julianne Moore). Inicialmente, o filme dá destaque para as conversas da protagonista com Jane, após sofrer ataques na noite de Halloween ao tentar sair de casa, e com Ethan (Fred Hechinger), seu filho. Eles moram na casa da frente, sendo a primeira a mãe e o segundo o filho. A relação complexificada psicologicamente entre Fox e Jane acontece para, logo em seguida, ela a ver sendo assassinada por alguém na casa vizinha. A situação começa a despertar a busca por entender o que teria acontecido.

É nesse momento que Wright sabe aprofundar bem a ideia da confusão mental por parte da personagem e instaurar um suspense que rememora bastante um olhar de cinema clássico – impossível não lembrar de Um Retrato de Mulher, de Fritz Lang, por exemplo. É quase como se o diretor buscasse criar um neonoir (uma lembrança de O Mistério de Silver Lake fica até clara), mas que busca um olhar fantasioso em uma forma sempre exagerada. Esse elemento sabe ser bem desenvolvido até boa parte da narrativa, já que alguns indícios favorecem para a visão de Anna da história e outros não.

O grande problema de A Mulher na Janela acaba por ser as prováveis mudanças que aconteceram com os diversos adiamentos e montagens do longa. A questão faz com que a produção se torne bastante difusa a partir de determinado momento, quase virando realmente outro filme que estamos acompanhando. Enquanto até a metade o diretor usa sempre as cenas de filmes ao fundo, a partir da revelação sobre o passado e a família da personagem principal tudo parece ter outra toada. É quase como se realmente tivéssemos visto algo picotado. Dessa forma, o elemento fundamental de um suspense fantástico, quase que trazendo elementos de um giallo, acaba por se transformar em uma história que busca muito mais a ação como algo direto e um elemento facilitador para o clímax.

Nessa reverberação para um lado inteiramente oposto, o longa se perde no seu elemento mais fundamental, que é a construção de mundo difusa. Desse jeito, ao deixar tudo bastante claro sobre a visão de Anna, a revelação final da trama e tudo que a envolve perde a força por se transformar em quase uma banalidade. Enquanto boa parte de A Mulher na Janela parece ter uma visão de construir o universo através das dúvidas, Joe Wright deixa o fim apenas para resoluções que entregam muito pouco. Assim, até o próprio desenvolvimento desse estudo de personagem e o uso da casa como elemento cênico (com planos muito abertos) se modificam por completo na parte derradeira.

Confusas, essa transformações e metamorfoses que o filme passou ao longo do tempo parecem tirar a oportunidade de um material bruto interessante nascer do que existe em boa parte do desenvolvimento. Enquanto o lado lisérgico e o suspense fazem parte de 2/3, a ação que compõe o terço final busca se sobrepor e querer estar acima de tudo, que perdemos a chance de assistir algo muito melhor dali.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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