Crítica – Adam

Logo na primeira cena de Adam, vemos Samia (Nisrin Erradi) buscar emprego em uma manicure. Ao conseguir a vaga, seu sorriso aparece, causando uma felicidade efêmera. Isso, porque logo no momento seguinte ela pede se poderia dormir na mesma residência da loja, sendo totalmente rechaçada e, além disso, perdendo seu emprego. Nesse limite das relações, podemos ver como o filme busca algo ainda mais implícito nas relações sociais dentro do Marrocos. Se, a priori, não vemos a gravidez de Samia, seu filho na barriga aparece quase como um reflexo de Warda (Douae Belkhaouda). Essa, uma menina de 8 anos, filha de Abla (Lubna Azabal), uma viúva que acaba dando lugar e ajudando na vida da protagonista.

Esses olhares por dentro do país talvez sejam os mais fortes dessa produção. Em uma sequência logo no início, vemos Samia olhando para três jovens andando pela rua. O que poderia vir a ser algo simples, e até banal, torna-se relevante quando seu olhar transforma-se em inveja. Elas estão livres, vivendo fora de uma realidade oprimida às mesmas – uma, inclusive, sem usar o turbante, comum ao lugar. Esse contraste gera uma relação ainda mais complicada para a personagem, totalmente confusa e sem saber para onde ir. Nesse relento da casa oferecida por Abla, ela tem um primeiro motivo para sorrir. Enquanto isso, a dona do ambiente segue rígida sempre.

A direção de Maryam Touzani gosta de colocar suas duas estrelas sempre sob uma intensa pressão. Por isso, os planos para elas são sempre as colocando em cantos, inclusive quando estão juntas. É nesses instantes de interatividade entre as duas que é possível perceber um único período de preenchimento, em uma sociedade na qual as renega diariamente. Elas, próximas, então, podem conseguir fazer algo. Não em um sentido de relacionamento amoroso ou quaisquer outra coisa, todavia em um contexto de uma relação de gênero. Os homens, durante todo o longa, comportam-se sozinhos. As mulheres necessitam dessa união.

Esse olhar confuso sobre esses ambientes, reflete muito algo também feito por Haifaa al-Mansour em O Sonho de Wadja. Ao mesmo tempo, traz todo um contexto político das ruas, como se essas estivessem refletindo tudo cotidianamente, feito por Jafar Panahi em Taxi Teerã e O Balão Branco. Todas essas obra são narrativas urbanas, contempladas em uma camada complexa sobre a comunidade muçulmana. Refletem bastante sobre um contexto de mundo globalizado, na qual é refletido pela arte de uma forma geral. São histórias que quase gritam por uma busca de algo novo dentro dessas sociedades.

Nesse sentido, a busca de Touzani talvez seja a mais psicológica e interiorizada em suas personagens. Elas parecem estar no limite de externar tudo aquilo que sofrem, contudo não parecem saber como. Por isso, próximo ao fim, há uma briga entre Samia e Abla sobre a questão da maternidade. Além disso, em uma sequência no meio de tudo, essa sutileza é elevada e filmada quase como um prazer corporal, especialmente na cena de dança. Vemos, assim, duas protagonistas extremamente complexas, ainda mais por estarem em gerações diferentes. O complemento de ambas é como uma fuga perante as consolidações pré-estabelecidas.

Dentro disso, é interessante perceber como Adam vive no limite entre os gêneros, caminhando entre o drama e beirando o horror. No grande clímax do filme, isso é elevado ao extremo, por ser possível perceber como aquele sufocamento do meio, as sufoca na individualidade. Maryam Touzani, desse jeito, não tem medo algum de trazer uma brutalidade aos pequenos momentos. Afinal, eles são os verídicos ali, e menos quando elas assumem uma liberdade própria. Por isso, o enclausuramento é tão marcante ao longo de todo o tempo. Elas estão trancafiadas por um lugar completo. Estão presas a repetirem as mesmas questões, sem entender nem como alterá-las. O nome Adam, o filho de Samia, quando poderia ser uma liberdade, é apenas mais uma gaiola.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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