Crítica – Adoráveis Mulheres

Mulherzinhas é um dos livros mais clássicos da literatura de romance de todos os tempos. Publicado em 1868, logo após o fim da Guerra Civil Americana, a obra contém inspirações autobiográficas de sua autora, Louisa May Alcott, que morreu 20 anos depois. Nessa história, acompanhamos a vida de quatro irmãs durante os anos de 1861 até 1865, no meio desses conflitos de sessessão americanos. Ali, acompanhamos seus romances, amizades, complicações e ainda tentativas de conseguir certo sucesso, em um mundo totalmente voltado para homens. A publicação ainda teve uma continuidade, lançada no ano de 1869, intitulada Good Wives e que completa toda a trajetória do livro.

Em sua mais nova versão para o cinema – já houveram diversas, sendo a mais famosa da década de 90 com Kirsten Dunst, Christian Bale e Winona Ryder -, sob o título de Adoráveis Mulheres, a trama trilha caminhas bastante similares. Jo (Saoirse Ronan) vive em Nova York sendo uma escritora de contos, conseguindo um dinheiro para ajudar a sustentar sua família. Quando ela retorna para casa devido ao agravamento da doença de uma de suas irmãs, Beth (Eliza Scanlen), a mesma começa a rememorar o passado de brincadeiras e grande afeto junto também de Meg (Emma Watson), Amy (Florence Pugh) e o vizinho delas Laurie (Timothée Chalamet).

Apesar de ser um filme de duração relativamente longa (possui 2h14min), existe uma busca já inicial em apressar todo esse universo. A direção de Greta Gerwig, para isso, deixa toda sua primeira hora transcorrer focando, especialmente, nesse passado muito mais feliz, cheio de vivacidades e cores. Isso é expresso através, principalmente, da fotografia de Yorick Le Saux, buscando tons mais saturados e uma colorização quase onipresente em tela nos flashbacks e uma paleta quase inteiramente fria na atualidade. Antes todas possuem uma certa ‘perfeição’ feminina, digna do período. Contudo, quando chegamos ao presente da narrativa, a cineasta traz diversos pequenos elementos – como as marcas de carvão na mão – a expressar uma mudança nessa trajetória, algo em destaque na protagonista Jo.

Nesse sentido, a narrativa de Greta busca consolidar os detalhes de todo esse universo afim de trazer eles a tona ao longo da produção. Porém, o problema acontece quando há uma clara problemática de tom e ritmo nisso tudo. Se, na primeira meia hora, o enfoque fica mais nos tempos anteriores, isso acaba se esquecendo depois, e ainda retornando, sem nenhuma consistência muito clara. Além disso, toda essa tentativa de trazer algo nos primeiros instantes é contrastado com uma queda vertiginosa de ritmo no segundo ato, acelerando sem limites próximo ao fim, com a intenção de resolver as pontas abertas.

Mesmo assim, toda a consistência dramática acaba sendo o maior enfoque da obra. Isso é mais esplicitado nas relações de Jo com sua mãe (Laura Dern), na falta e distância que o pai (Bob Odenkirk) possui por estar lutando na guerra, além um certo peso nesse lapso temporal. Se a protagonista e Laurie viviam uma relação próxima a de um casal – com direito a realmente explorar isso no meio da história -, esses elementos sofrem um peso mais complexo em sua parte final. O tempo, algo também bastante pensado por Martin Scorsese em O Irlandês, porém para personagens mais velhos, é aqui posto em um ressentimento para as mais novas.

Greta Gerwig usa e abusa de uma narrativa clássica para traz seu filme a uma contemporaneidade. As irmãs são quase todas independentes, apesar de estarem relacionadas com homens. Diversas são as falas a trazer um enredo quase “comum” ao século XIX para uma nova onda de feminismo, especialmente conectada a uma independência feminina. Sua personagem principal não tem a vontade de casar, por achar que isso poderia destruir a relação com outra pessoa. É algo devidamente rechaçado por certos personagens masculinos, mas a mesma diz querer que as mulheres “não apenas sejam uma fonte de amor”.

Em Adoráveis Mulheres, contemplamos uma trama relacionada aos diversos tempos. Apesar de possui um caráter mais pesado e até dramático em boa parte do seu eixo, acaba tornando-se um ‘feel good movie’, ou seja, produções na qual acabam com finais felizes. Aliás, ao explorar isso, é interessante como a direção traz uma metalinguagem até a própria obra original de Louisa May AlcottDe certa forma, Greta pensa em uma honenagem, além de recontar enredos feitos por mulheres. O eco gritado por Louisa ainda há bastante tempo, reverbera sobre essas figuras femininas até hoje.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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