Crítica – Al Shafaq: Quando o Céu se Divide

Ao final de Al Shafaq: Quando o Céu se Divide, um poema de Rumi aparece na tela: “chega uma hora que nada faz sentido, exceto se render ao amor, faça isso!”. Talvez o diretor Esen Isik esperasse que isso trouxesse alguma espécie de sentido aos acontecimentos até aquele momento, mas não é assim que um filme funciona. Frases bonitas ao final de tudo não bastam para resolver uma narrativa falha.

No longa, acompanhamos duas histórias. A primeira é a de Abdullah (Kida Khodr Ramadan), um pai que perde seu filho, Burak (Ismail Can Metin) para o extremismo islâmico, o que resulta em sua morte. A segunda é a de Malik (Ahmed Kour Abdo), que se tornou um refugiado após uma milícia assassinar toda sua família, restando somente ele e o irmão, que logo vem a falecer devido a um trágico incidente no campo de refugiados onde encontraram abrigo. A vida dessas duas pessoas se entrelaçam a partir dessas tragédias mútuas, e os dois encontram uma espécie de segunda chance na vida.

É uma história com elementos muito interessantes, e o aspecto do extremismo é, particularmente, trágico, pois foi Abdullah que, indiretamente, fez com que Burak tomasse esse caminho. Burak, como todo jovem, desejava explorar a vida, participando de festas e bebendo, mesmo que não possa. É algo que seu pai não concorda, e passa a forçá-lo a participar de eventos religiosos. Com isso, ele inicia seu contato com figuras ligadas ao extremismo, pessoas que seu pai até conhece, mas desconhece o lado mais sombrio delas.

Entretanto, ao apostar em uma estrutura não linear para história que já se divide em duas perspectivas diferentes, nenhuma dessas tramas tem espaço próprio para respirar. Dentro dessas duas tramas, temos ainda os flashbacks – e as vezes flashback do flashback – que até são bem definidos, mas o constante vai e vem resulta em uma conexão emocional frágil com essas histórias. A virada de Burak para o extremismo não tem um impacto apropriado pois, dentro dessa estrutura, ela parece ter ocorrido de modo repentino. Em uma cena específica, ele olha com desejo para meninas de sua idade, na outra ele repreende a irmã por tirar o hijab, sem que essa transição tenha sido devidamente explorada.

Al Shafaq: Quando o Céu se Divide é um filme que busca o tempo se convencer que a história que conta é emocionante. No papel até pode ser, porém na tela não se articula muito bem, e busca essa emoção por meio de diálogos um tanto panfletários. O mais absurdo é o momento em que um amigo de Abdullah disserta sobre o quanto ele é um homem bom por acolher Malik e mais uma série de frases genéricas sobre a crueldade da guerra, o que por si só, é até ok, mas combinado com o que vem depois, soa ridículo – e o filme não se dá conta disso.

Em uma virada à lá Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock, Abdullah passa a fazer com que Malik adote a identidade do seu falecido filho, e Isik não se preocupa nem ao menos em analisar o problema disso, já que isso só é introduzido ao final da obra. O que até então era uma mal construída história de segundas chances, se torna o princípio de um relacionamento abusivo. No entanto, ao encerrar o filme com o poema de Rumi, tenta se convencer de que isso é alguma forma de “amor”.

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