Crítica – Atravessa a Vida

“A mim ninguém me abraça”. Essa é talvez a frase mais marcante dos momentos intímos dentro do documentário Atravessa a Vida. Nessa abertura dada aos personagens dessa história, vemos sempre uma intensa batalha para chegar até aonde estão – e que, em muitos casos, é quase nada. Mas, quem são essas pessoas? Bom, basicamente estudantes do ensino médio de um colégio em Simão Dias, cidade com pouco mais de 40 mil habitantes, localizada no interior do Sergipe. Expostos desde sempre as fraturas da vida, precisam lidar ainda o peso colegial, em ser aprovados e até pensando na universidade que irão prestar. É a partir desse universo construído que a obra se inicia.

João Jardim, que já dirigiu Getúlio, comanda o filme em uma espécie de olhar bastante jornalístico a prióri. Vemos discussões sobre algumas aulas em sala, além da exposição de opiniões desses alunos, muitas vezes pautadas em pensamentos depreciativos (como quando uma menina diz que trabalharia em feira por não ter capacidade de entrar em uma universidade). Nesse sentido, lembra até bastante como ocorre a proposição da encenação de Eleições, de Alice Riff. No entanto, é aos poucos que os elementos individuais tomam para si a narrativa. E quando isso acontece, as coisas finalmente saem do papel.

Quando engatamos em jornadas e pensamentos de cada uma dessas vozes que ecoam cheio de ideias nas salas, a produção ganha seu contorno dramático primordial. Antes, a sensação que causa é que estamos vendo apenas mais um longa que vai trabalhar esse ambiente escolar sobre uma questão política. Impressionantemente, isso retoma no fim de forma extremamente desnecessária, já que o mais interessante para o desenvolvimento fílmico são os pequenos elementos. Jardim entende bem essa preposição nas cenas que deixa apenas os jovens falarem, se abrirem, como uma sessão de terapia sendo gravada. É nisso que vemos suas fragilidades, tentando entender como e porque chegaram até ali.

 

O problema é que toda essa parte dura cerca de apenas 20 minutos – os mais brilhantes para a narrativa. Depois, somos colocados de volta a aquele cotidiano escolar. De certa maneira, pode-se pensar como a direção é irônica ao buscar que esses pontos de fuga dos personagens são também muito pouco na própria vida, como uma espécie de metáfora. Isso funcionaria se víssemos que existem elementos circunstânciais para todas aquelas vozes poderem se expressar, algo que não acontece – é de apenas pouquíssimos deles.

Todos esses elementos geram uma certa repetição dentro da trama em seu início e fim. Os ecos das vozes infantis, cheias de medo e esperança, parecem ser apenas usadas para gerar algumas sequências bonitas e interessantes de discussões na sala de aula, como na música de Chico Buarque. Contudo, João Jardim parece achar que tem elementos até demais afim de causar qualquer comoção ou força dentro da história. No entanto, pouco tem. Dessa forma, ao fim de Atravessa a Vida, quando a narrativa tenta gerar um elemento emotivo na hora que os jovens irão realizar provas para universidade, sentimentos apenas alegria pela realidade daqueles casos, mas pouca conexão. Se tivéssemos entendidas todas suas jornadas, elas poderiam ainda ser mais marcantes. Ecoar no tempo, em uma espécie de paralelo a diversas outras vidas iguais.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *