Crítica – Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa
Desde o sucesso estrondoso de Os Vingadores em 2012 e a consequente comprovação do sucesso do universo cinematográfico da Marvel, a divisão de cinema da DC Comics havia tentando repetir a mesma fórmula. No entanto, após alguns filmes com recepção mista do público e da crítica (o primeiro a conquistar os dois foi Mulher-Maravilha, em 2017), o estúdio compreendeu que os personagens da editora funcionariam muito melhor como protagonistas de suas próprias aventuras, sem um grande arco por trás. Isso foi indicado pelo filme de Patty Jenkins, comprovado com Aquaman e reiterado com Shazam!. Um dos maiores fracassos de crítica dessa empreitada da DC nos cinemas foi Esquadrão Suicida, que apesar de ter feito bons números foi muito criticado pelo tom inconsistente e pela trama bagunçada. No entanto, é exatamente da maçã mais podre que veio um dos maiores trunfos do DCU: a Arlequina de Margot Robbie.
Não demoraria para que a personagem ganhasse seu próprio longa. Através da aventura solo da (agora ex) namorada do Coringa, também foi introduzido um novo time de heroínas: as Aves de Rapina. A equipe existe nos quadrinhos desde o final dos anos 1990, e já até ganhou uma série de televisão no início dos anos 2000, mas a oportunidade perfeita de introduzi-las às telas de cinema só chegaria com a produção de Margot Robbie. Assim, surge Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa.
Apesar de seguir um tom narrativo e estético totalmente diferente de Esquadrão Suicida, a história (roteirizada por Christina Hodson) começa onde o “filme anterior” parou: Arlequina e o Coringa terminaram. Agora, sem a proteção do Palhaço do Crime, todos aqueles que já sofreram nas mãos da vilã agora querem sua cabeça. Entre eles, o perigoso e instável Roman Sionis (também conhecido como Máscara Negra), que acaba de contratar a cantora de seu clube Dinah Lance para ser sua nova motorista em uma missão muito valiosa. Ao mesmo tempo, uma misteriosa figura está assassinando mafiosos e atiradores na cidade de Gotham, chamando a atenção da detetive Renee Montoya. Quando a pequena ladra Cassandra Cain cruza o caminho de todos esses personagens, um intenso jogo de perseguição começa, com reviravoltas e alianças que podem matar ou salvar vidas.
Desde o início, Aves de Rapina traz a perspectiva de Harley Quinn como lente narrativa, já destacando-o de Esquadrão Suicida e imprimindo ao filme todo o estilo e personalidade apresentado pela personagem. E ainda que claramente o longa funcione muito como um veículo de destaque para o protagonismo de Harley, a história permite que as Aves de Rapina (Canário Negro, Caçadora e Renee Montoya) tenham seu espaço de tempo para serem não só apresentadas, como também inseridas na história e desenvolvendo seus arcos pessoais. A única que talvez sofra mais nesse quesito é Mary Elizabeth Winstead com sua Caçadora, cujo arco demora para se alinhar ao núcleo principal. Margot Robbie, como já esperado, domina totalmente na pele da Arlequina, entregando momentos humorísticos com carisma e naturalidade, assim como os maneirismos e as cenas de ação. Das Aves, Jurnee Smollett-Bell é quem mais se destaca, enquanto Rosie Perez parece estar bem à vontade na pele da detetive Montoya, como se já interpretasse o papel há anos. A novata Ella Jay Basco ganha pontos pelo carisma e pela química com Robbie.
É inevitável as comparações com Deadpool, graças ao uso da narração e da quarta parede, mas aqui as coisas funcionam de um jeito completamente diferente. Se nos filmes do Ryan Reynolds esse recurso funcionava principalmente como a fonte do humor do filme, aqui isso funciona como uma peça fundamental da narrativa. As protagonistas do filme tem suas próprias histórias, que vão se encontrando conforme os eventos progridem. Como tudo é contado do ponto de vista da Arlequina, isso é feito através de voltas no tempo, algo que contribui para que o ritmo seja fluido e ágil, mas também pode tornar-se cansativo em certo ponto da história. O maior elo de ligação na história é o Máscara Negra de Ewan McGregor, que está histérico e se divertindo muito como o vilão. Apesar de ser uma presença que funciona muito bem como ameaça e como peão no desenrolar do longa, é uma pena que seu Máscara estivesse fadado a aparecer pouco, já que o filme é totalmente entregue ao elenco feminino.
Deve-se também destacar a incrível direção de Cathy Yan. Este é apenas o segundo longa na carreira de Yan, mas isso nem é notado. A diretora aproveita bem os cenários caóticos de Gotham City, usando bem tudo que está presente em cena para que ela funcione melhor: seja uma cena de ação, de combate, ou apenas um diálogo entre duas personagens. Chama atenção, por exemplo, o curto mas eficiente diálogo entre Harley e Dinah Lance. Uma cena pequena, mas que apresenta um grande peso visual para o que virá depois.
Apesar de ter suas falhas, Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa é um necessário capítulo no mundo cinematográfico da DC, agregando não só por trazer novamente uma diretora em um filme de grande destaque, mas uma história de ação divertida e muito bem dirigida, com uma narrativa fora do convencional para a empresa e o destaque mais que merecido não só da Arlequina, mas também de todas as heroínas presentes no filme. Cinema pipoca em sua melhor forma.