Crítica – Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

A frase “a morte é o último sopro de vida” encarna com perfeição o cineasta Hector Babenco. Argentino, ele tornou o Brasil sua terra mãe, natal, um local em que podia ser o máximo quem ele era. Assim, próximo de descobrir que sua morte poderia ocorrer a qualquer instante, o diretor começa a se olhar como arte, como um ser passível de ser também múltiplos. Ele se olha assim, mas quem transpõe esse pensamento em forma de filmagem é Bárbara Paz, sua esposa. Dessa maneira, como uma grande recordação de um livro de fotos, ela faz de Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou uma grande carta de despedida.

E esse olhar afetuoso é justamente o que torna o documentário algo muito menos fixo e preso em determinadas perspectivas. É uma obra que parece bem mais interessada em trabalhar a complexidade da morte, do que ela por si só. Até por isso, os momentos de confronto e discussão entre Barbara e Babenco são justamente aqueles relacionados ao câncer, a ida a um hospital. Eles verdadeiramente se encontravam na arte, na maneira de pensar cinema. Justamente por isso, as cenas relacionadas a gravações são as mais afetuosas, com sempre uma troca de olhares de grande amor presente ali.

Apesar disso, o filme tenta abraçar um aspecto que parece bastante sinuoso aqui: contar a carreira. Há uma tentativa de fazer isso, administrando esse legado do cineasta. Em diversos momentos, vemos cenas de seus longas e até uma lembrança de sua indicação ao Oscar de 1986 por O Beijo da Mulher Aranha. Nesses instantes, a produção se vê instável do que apresentar: entender toda a repercussão de uma carreira ou abraçar um lado mais verdadeiramente de o que deixará para trás. Dessa forma, há uma certa perda de foco que acontece em diversos momentos, atabalhoando essa perspectiva apaixonante da figura, desse ser que está sendo representado.

Existe também esse olhar de aceitação da morte que acontece de maneira bastante pacífica dentro de Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou. Não há desespero por essa vida que será interrompida, mas sim memórias, lembranças, perspectivas de um passado que irá se fazer presente em breve. No protagonista dessa narrativa isso é onipresente. Babenco não parece sentir que em algum momento irá, verdadeiramente, deixar de existir. Já para Bárbara é quase como um livro de recordações mesmo sendo construído. Não a toa o preto e branco, trazendo quase essa lembrança de um álbum de família filmado.

Em seu trecho mais final é quando o documentário abraça alguns aspectos que o tornam ainda mais contemplativo. A participação de William Dafoe, em um uma mistura ficcionalizada e também realista, traz quase um vigor para esse lado da tristeza da morte em Babenco. É quase como se a diretora percebesse que não iria conseguir extrair um pingo de fim de vida dentro da verdade, por isso precisa desse objetivo da ficção para poder encenar a morte. Da mesma forma, pode ser tratado como uma maneira de não querer se despedir dessa figura de intenso amor. É quase como um jogo sem fim, a qual sempre parece que haverá alguma derrota.

Como uma grande carta de despedida, Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou também finaliza dessa forma. Bárbara Paz absorve toda a morte existente dentro desses últimos meses de relacionamento com Hector Babenco para poder trazer menos uma homenagem direta e mais uma rememoração de vida. É como, de verdade, um último sopro de existência. E essa não apenas no caráter terreno, mas também artístico, já que vemos o cineasta ainda realizando filmagens e mais. Esse fim, parece um começo de lembranças, de memórias, especialmente na visão dos amigos e queridos. Dessa forma, os últimos momentos, como uma espécie de Santa Ceia, traz um relato de uma grandeza que não será esquecida.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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