Crítica – Batem à Porta

M. Night Shyamalan se notabilizou ao longo da carreira em buscar debater a fé e a crença. Isso seja em um caráter mais cristão e místico das narrativas (como em A Dama na Água, Sinais e Fim dos Tempos), seja em tramas que trazem um caminho quase antropocêntrico (como em Vidro, A Vila e Tempo). De toda maneira, sua carreira, desde que voltou ao sucesso em 2015, com A Visita, parece estar voltada a explorar elementos do passado. Não necessariamente tematicamente – já que isso está atrelado a sua encenação -, só que mais na maneira de pensar as histórias e em como elas se atrelam ao mundo contemporâneo.

Dessa maneira, Batem à Porta chega como seu filme mais relacionado a tudo isso dito anteriormente. É uma espécie de conjunção dos elementos e do que representa a carreira do cineasta recentemente. Desde uma obra que aborda crença e fé da maneira mais direta, falando sobre a humanidade e a religiosidade, até ser uma revisita de boa parte de sua filmografia. Tudo isso sob um verniz de suspense, só que menos cheios de intenções por trás e mais diretamente atrelado a um mundo que precisa voltar a acreditar mais. Ao mesmo tempo que um mundo totalmente perdido.

Shyamalan reforça tanto esses elementos, que parte de uma trama totalmente simples e direta. Ela não envolve múltiplos personagens e busca, justamente, ser uma obra sobre enclausuramento. Erik (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldridge) estão de férias em uma cabana no meio de uma floresta com a filha Wen (Kristen Cui). Só que, do nada, um grupo de quatro pessoas, comandandos por Leonard (Dave Bautista) aparece no local e tentam entrar a força, prendendo os dois. Com isso, eles se apresentam e falam o motivo de estarem ali: o mundo vai acabar e só não irá caso uma das pessoas da família morra. No entanto, eles precisam se matar entre eles mesmos e ninguém mais pode se envolver.

Como dito, Batem à Porta parte realmente de uma narrativa simples, assim como o cineasta gosta de fazer, na inspiração de suspenses noir e do cinema hollywoodiano dos anos 70. Entretanto, M. Night se utiliza disso justamente como algo fundamental para compreendermos as dinâmicas que vão se estabelecer entre os personagens na casa. Desde que eles devem acreditar na ideia que matar o marido pode salvar o mundo, até mesmo na forma como o diretor coloca o público sob esse olhar. Ele gera a tensão pelo jeito de, simplesmente, não dar espaço para sabermos mais do que o básico sobre os invasores. Tudo o que o público recebe é o mesmo que a família principal, sendo assim, nos colocamos nas mesmas dúvidas.

Shyamalan vai se utilizar abertamente de elementos bíblicos e questões religiosas dentro do caminho mais semiótico da trama – e que, em certos pontos, acaba virando mais explícito. Um exemplo mais claro é o fato dos quatro que chegam serem cavaleiros do apocalipse, porém representando virtudes humanas. Eles são figuras que, trazendo o caos para um ambiente de paz, demonstram a maneira como a humanidade funciona. Leonard, por exemplo, se diz como professor e tem uma calma e paciência para explicar todo o processo. Sabrina (Nikki Amuka-Bird) é médica, tem a capacidade de cuidar, de se importar com o outro. Novamente, é o diretor se usando de um antropocentrismo, da fé nos próprios seres humanos e na sua capacidade de também fazerem o bem.

Outro elementos bíblico que aparece são os gafanhotos, que ganham destaque na cena de abertura. Eles se conectam com a praga de gafanhotos no Egito antigo, em que há diferentes interpretações se serviu como maneira de punir o povo. Fato é que ela aconteceu, em uma visão cristã, para mostrar que Deus é único e não há nenhuma outra divindade. Os gafanhotos que rodeiam a casa, podem dar mais um índicio de que aquele ambiente, aquela estrutura, é para mostrar que a humanidade é única nessas diversas formas.

Batem à Porta reforça como o diretor é alguém que espera a bondade e a crença humana em um período de caos. Baseado no livro O Chalé do Fim do Mundo, de Paul Tremblay, a adaptação audiovisual se conecta muito mais com esse jeito como Shyamalan valoriza menos a fantasia e mais o aspecto humano da encenação. Os personagens podem até ter relação com esse universo que pode ser fantasioso ou não. Contudo, eles, no fim das contas, representam uma certa defesa a necessidade do ser humano ser sempre defensável, em certa medida. Em um universo sobre debate das fake news e após a pandemia de covid-19, é como se nós fossemos a própria praga. Fossemos, assim, figuras que não conseguem fugir da própria primalidade.

E pode ser isso mesmo. Pouco importa para M. Night Shyamalan trazer interpretações e debate sobre isso. O que verdadeiramente interessa é que, ao fim, os seres humanos e esses personagens também podem vencer – como, em muitos casos, não conseguiram em seus filmes. Talvez estejamos vendo uma faceta mais otimista dele. Ou pode ser apenas uma fase mesmo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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