Crítica – Bixa Travesty
Antes de assistir a Bixa Travesty, meu conhecimento sobre a artista Linn da Quebrada era próximo a zero. Seu nome não me era estranho e talvez tenha escutado suas músicas em algum lugar, embora nunca conectei a artista. Isso dito, após ver o filme de Kiko Goifman e Claudia Priscila, me encontro fascinado pelo espaço que a performer ocupa, e se a música dela ainda não é do meu gosto, tudo que gira ao seu redor certamente cativou minha atenção.
A produção acompanha Linn, artista e ativista LGBT de São Paulo, durante uma série de shows, momentos mais intimistas, e através de pequenas entrevistas para uma rádio/podcast imaginário onde ela discute com outras pessoas sobre problemas do cotidiano ou abusa de falar diretamente para a câmera. É nesse último que o longa começa, com Linn desafiando diretamente o patriarcado, já deixando claro que ela é tudo, menos alguém que se conforma com o status quo.
Em seguida, outro desafio, dessa vez menos explicito, mas certamente tão impactante quanto. Delicadamente, a artista explora seu corpo, na qual, meramente por existir, já representa um desafio as convenções sociais. Negra, periférica, LGBT e descaradamente sexual, ela não está interessada em se “suavizar”: ela é, e isso o tempo todo, não somente na sua arte, mas também no dia a dia. Quando sua mãe fala que ela tem que agradecer a Deus por chegar onde chegou, responde de bate pronto “agradecer a nós, que fizemos”.
Bixa Travesty aposta em uma visão mais ancorada no cinema direto, que busca tratar a câmera como algo que inexiste naquele cenário – menos quando Linn fala diretamente com ela – e os documentaristas não interferem no andar dos acontecimentos, sem fazer perguntas ou comentários. Essa postura é particularmente eficaz nos momentos mais íntimos, como quando a protagonista toma banho com sua mãe, ou quando compartilha um momento romântico com seu par, dando espaço necessário para que essas cenas possam parecer genuínas.
Mas essa atitude acaba subtraindo um pouco do que torna Linn tão interessante: o choque, a inconformidade. Para uma artista tão desbravadora, ter um documentário tão convencional parece um desperdício, e, somente em alguns pontos esse aspecto mais desafiador se faz aparecer. Um desses exemplos é quando vemos, em close, Linn passando batom em sua genitália. Existe também uma pequena trama ficcional da artista procurando por sua luva da sorte, em que pouco acrescenta e sempre quando está pela tela, soando bastante falsa.
Bixa Travesty se sustenta muito pela presença de Linn da Quebrada. Ela, ao lado de Goifman e Priscila, também escreveu o roteiro do longa. Sua forma poderia ser tão radical quanto seu conteúdo, mas continua sendo um fascinante retrato dessa artista tão iconoclasta, e fez de alguém tão leigo sobre seu trabalho – como eu – para uma transformação que certamente irá prestar mais atenção em suas futuras obras.