Crítica – Boca a Boca (1ª Temporada)

No cerne de Boca a Boca, há um conflito bem simples e também atemporal: aquele entre gerações. Pais e filhos que, devido aquilo que os separa, nunca conseguem se entender muito bem, resultando em adultos com medo de coisas que eles não compreendem. Da mesma forma, filhos ressentidos que, não podendo contar muito bem com o apoio das figuras paternas, acabam extravasando em diferentes jeitos, enquanto exploram e constroem suas próprias personalidades.

No meio desse conflito, a série de Esmir Filho para Netflix introduz uma misteriosa doença que surge após uma rave realizada em uma floresta próxima a cidade de Progresso, palco da produção. A enfermidade, só transmitida entre os jovens, pode ser identificada por uma mancha roxa na boca, levando os adolescentes a ficarem em um estado praticamente de coma. Devido a situação, a tensão entre pais e filhos aumenta. O trio formado por Fran (Iza Moreira), Chico (Michel Joelsas) e Alex (Caio Horowicz) precisam desvendar os segredos tanto da cidade, quando da doença, que mais cedo ou mais tarde irá afetá-los também.

A série possui uma construção visual até interessante, evidenciando essa rixa entre gerações por meio da iluminação e das cores. Os jovens levam essas sempre de forma mais leve, frequentando ambientes mais iluminados. Já os adultos com cores mais escuras e lugares mais soturnos. Se a imagem desse confronto é instigante, mesmo que a estética neon remeta muito a série Euphoria, da HBO, a dramatização do mesmo é bem caricata e frágil, já que se resumem a palavras e momentos chave bem isolados. Um desses exemplos é quando o pai de um dos personagens está lhe dando uma Bíblia ou algum adulto se refere a uma possível “doutrinação” dos jovens – jargão muito utilizado na nossa política atual por figuras conservadoras, a quem a série claramente deseja apontar dedos. 

Tendências em DVD e Blu-ray

O seriado não parece muito preocupado em estabelecer coisas e nem numa construção de mundo, se contentando em jogar as coisas em cena na expectativa de que algo cole. Ou até mesmo esquece certos desdobramentos somente para que a trama principal não seja atrapalhada. Um desses momentos é quando, após uma segunda rave, todos os jovens da cidade foram tatuados, o que, para um dos membros de uma seita muito citada – mas porcamente explorada – que organiza as festas, pode atrair a ira da cidade para eles. O episódio seguinte abre com os jovens exibindo suas tatuagens, pixando os muros da escola com a palavra “Retrocesso”, o que não faz sentido, já que nada havia sido tirado deles até então, e beijando uns aos outros. Até mesmo a sinopse do episódio é “Os jovens de Progresso começam a se rebelar”. O que acontece após os adolescentes vandalizarem a escola de uma cidade conservadora? Bem, absolutamente nada. Não só não há nenhuma consequência em relação a isso, como o evento nunca mais é citado por ninguém, é como se os idealizadores da série decidissem colocar um clipe musical no ínicio do episódio só para ficar bonitinho.

Ao ter os eventos de sua narrativa simplesmente “acontecendo” sem muita causa e consequência, assistir Boca a Boca se torna rapidamente uma experiência muito frustrante. Isso porque há pontos muito interessantes a serem desenvolvidos, como a situação da família de Fran, que possui uma dinâmica muito própria com a família de Alex, mas isso não acontece. A produção de 10 episódios se contenta em momentos bonitinhos, que podem ser facilmente recortados para viralizar nas redes sociais. É puro suco de algoritmo.

 

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