Crítica – Cadê Você, Bernadette?

Os filmes de Richard Linklater tem uma “aura” muito específica. A preocupação deles é menos na história, e mais em criar uma atmosfera sem estrutura definida, buscando criar um retrato da juventude de uma época, como em Jovens, Loucos e Rebeldes, ou num “cinema de conversa” que explora um relacionamento ao longo das décadas, como na Trilogia do Antes. Em Cadê Você, Bernadette?, o cineasta coloca seu olhar a serviço de uma trama estruturada de modo mais convencional.

No longa, baseado no livro de mesmo nome de Maria Semple, conta a história de Bernadette (Cate Blanchett) uma arquiteta agorafóbica (ou seja, medo de lugares abertos e/ou públicos), na qual, após um incidente na vida profissional, passa a se dedicar a família, composta por seu marido, Elgin (Billy Crudup) e sua filha única, Bee (Emma Nelson). Como presente por ter boas notas, Bee pede que os três façam uma viagem para Antártica, o que é acatado por seus pais, embora isso seja estopim para intensificar as fobias sociais de Bernadette. Todos esses elementos se aglutinam e resultam em sua fuga súbita após uma intervenção de Elgie, com a intenção de interna-lá. Assim, Bee e seu pai partem em busca dela, enquanto tentam reatar seus laços familiares.

Linklater, que também roteirizou o filme, de imediato toma uma decisão interessante para colocar a produção mais próximo daquilo que está mais acostumado a fazer, ao descartar o mistério do paradeiro de sua protagonista já nos primeiros minutos de projção. Isso, além de evitar que o diretor saia muito de sua zona de conforto, faz com que o longa possa focar naquilo que ele tem de melhor: Cate Blanchett.

A performance de Blanchett aqui é evoca um pouco do seu trabalho em Blue Jasmine, trabalho pelo qual ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz em 2014. Afinal, são duas personagens de classe alta que atravessam momentos difíceis em suas vidas, mas aqui temos uma persona muito mais empática e interessante do que a fútil socialite no filme de Woody Allen. A frustração de Bernadette ao interagir com qualquer pessoa que não seja de seu interesse é palpável, e também é a fonte de grande parte da comédia do longa, ao lado dos seus comentários ácidos.

Esse humor da personagem esconde um drama muito interessante, na qual é revelado por meio da perspectiva de Elgin sobre as atitudes da esposa, mas que acaba por ser pouco explorado. Em certa cena, por exemplo, Bernadette revela que colocou todos seus remédios em um frasco só, pois acha lindo “as cores e formas”, o que soa humorístico, mas ganha contornos tristes ao vermos o tal frasco pela ótica do personagem de Crudup. É uma boa sacada do roteiro colocar o riso como algo que desvia o problema em questão, e expressar isso não só nos diálogos, porém também na ação – mesmo que muito pontualmente.

O longa é menos bem sucedido quando precisa expor certas informações para o público, apesar de, em um primeiro momento, conseguir conciliar muito bem os diálogos com as necessidades expositivas. Na metade para o fim, algumas cenas se resumem a personagens simplesmente explicando coisas uns para os outros, de modo não muito dinâmico. Para um cineasta que fez da conversa algo tão encantador em Antes da Meia-Noite, é de se estranhar que elas aqui sejam tão enfadonhas.

Cadê Você, Bernadette? pode não ser o filme mais distinto da filmografia de Linklater, todavia não deixa de ser agradável como seus outros trabalhos. Há uma inegável ternura que permeia todo a produção, em que não está tão interessado em conflitos — até mesmo uma possível antagonista ganha ares mais simpáticos —, mas sim em entender como uma mente agitada pode encontrar um pouco de paz com a ajuda daqueles que a amam.

 

Arte por Ana Paula Barbosa

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