Crítica – Cenas de um Casamento (Minissérie)
Acho importante assumir logo de cara que não assisti a Cenas de um Casamento de Ingmar Bergman, tanto a minissérie, quanto o filme, mas mesmo assim foi difícil deixar o ceticismo de lado quando soube dessa nova versão, já que Bergman é um dos nomes quase sagrados do cinema, de modo que mexer com suas obras parece algo sem sentido. Mas cá estamos, mais de 40 anos após o original, com cinco explorando a vida de um casal americano, Mira e Jonathan, interpretados por Oscar Isaac e Jessica Chastain, no século XXI.
Desses cinco episódios, quatro começam de uma maneira intrigante, que é explicitando de que não se trata de algo “real” no sentido literal da palavra, mas sim uma enorme produção para TV, com dezenas de profissionais por trás, e que o casal que irá interpretar cenas tão íntimas na tela na próxima hora são somente atores. Se, por um lado, é interessante observar esse lado da produção, e testemunhar tanto Isaac quanto Chastain habitando seus personagens a partir do “ação”, é fascinante, por outro, revelar o artificio parece uma tática que vai contra o propósito da série de ser algo íntimo, pessoal. Isso já coloca uma certa distância entre o espectador, “nada aqui é real” é uma mensagem estranha de se mandar logo de cara.
Por sorte, a dupla de atores principais mais do que compensa esse distanciamento. Talvez o melhor material promocional de Cenas de um Casamento foi aquela, agora famosa, cena entre os dois no tapete vermelho do Festival de Veneza, porque representa muito bem o grande atrativo da minissérie, que é a relação entre os dois. Hagai Levi, diretor de todos os episódios dessa nova versão, sabe muito bem disso. Há um “quê” de teatro na série, com a casa do casal, cenário de todos os episódios, se tornando o palco, dando espaço para as emoções dos intérpretes, e que emoções.
Cada capítulo é uma jornada entre as dores dos dois, assim como seu amores, apesar de ser um tanto repetitivo, com quase todos sendo um ciclo entre amizade, seguido de romance, seguido de sexo e depois briga e assim por diante. Mas isso se sustenta pela atuação do par, que nunca deixa de se entregar totalmente para as cenas mais intensas, e nas mais sutis conseguem deixar claro seus sentimentos de modos muito pequenos, mas essenciais.
Essa atualização da história quer avaliar um casamento sob a luz de temas mais modernos, como poligamia, amor livre e formas alternativas de paternidade e maternidade, o que é uma excelente justificativa para uma nova versão, mas esses assuntos se tornam mais detalhes na trama do que algo que afeta mesmo o casal. A poligamia, por exemplo, é introduzida por meio de um casal de amigos que só aparece no primeiro episódios, então, apesar da superficie moderna, o centro da série é o mesmo de tantas outras obras sobre o casamento, como o recente História de um Casamento, de Noah Baumbach.
Assim, Cenas de um Casamento tem como grande atrativo mesmo Isaac e Chastain, com tudo ao redor deles sendo, francamente, bem comum. Só que, para nossa sorte, Levi capitaliza muito bem nisso, mas falta um pouco mais de ousadia para que a série se torne algo realmente memorável.