Crítica – Chicuarotes

É realmente complexo para um filme criar uma sensação de conexão com o público logo em seu início. Assim, Chicuarotes não tem medo de realizar isso para causar impacto. Cagalera (Benny Emmanuel) e Moloteco (Gabriel Carbajal) estão em um ônibus tentando realizar piadas em busca de dinheiro para se sustentar. Os dois, pintados de palhaços, acabam não chamando a atenção de ninguém dentro daquele transporte. A situação, realisticamente filmada por Gael García Bernal, ao deixar a câmera girar e quase sem cortar. Toda essa encenação acaba sendo realmente demonstrada quando a verdadeira intenção deles entra: assaltar os passageiros. Ao estabelecer essa correlação ao mundo real somos apresentado ao universo deles.

Nesse sentido, é interessante como Bernal propõe a obra muito mais a caminho de um drama urbano. Todo aquele ambiente é apresentado sob grande parcimônia, sempre dando espaço aos personagens surgigem como fortes em cena. O pai bêbado e agressivo aparece primeiro em um som, causando um lado de imponência perante aos protagonistas. Contudo, isso é revelador para sua figura totalmente destruída. A mãe, tenta sobreviver no meio disso. O mesmo ocorre com Victor (Pedro Joaquín), irmão de Cagalera. Altamente despadaçado pelo comportamentos de todos perante a ele, busca formas de ser forte. A cena dos três atrás de um muro, mais próxima ao fim, inclusive, é um desses aspectos totalmente duais dos personagens.

Apesar de estabelecer bem todo esse núcleo social, o longa acaba não focando nisso na sua narrativa. O maior interesse por parte da câmera de Gael está em como esses dois personagens estão em uma realidade despedaçada. Como chegou ao ponto deles cometerem crimes, repercutirem o ambiente na qual estão envoltos. Nisso, faz falta uma maior relação e desenvolvimento perante aos líderes do crime daquela região, na qual aparecem com maior força e impacto na finalização. O grande clímax acaba sendo mais focado propriamente em um lado quase devastador, porém não parece haver um desenvolvimento mais claro a esses acontecimentos.

Toda a trama aqui tem um senso muito mais interessante quando explora a amizade entre os dois. Em alguns instantes chega até a remeter o trabalho do diretor como ator em conjunto de Diego Luna em E Sua Mãe Também. Até também é possível haver certas lembranças de Quanto Mais Quente Melhor, de 1959. Quando a toda a cenografia parece andar menos e observamos suas ações, seus desenvolvimentos e até suas conversas causam uma maior conexão e compaixão perante ao público. O cineasta não coloca ninguém dentro desse mundo como totalmente santo ou totalmente sofrido. O maior objetivo é observação, quase um olhar etnográfico nesse sentido. Bernal parece realmente querer aprofundar visões sobre essa realidade social.

Aliás, dentro de toda essa construção cênica ocorre um trabalho bem complementar de toda a fotografia saturada e voltada ao escuro de Juan Pablo Ramírez e do design de produção de Luisa Guala. Todas as pequenas cenas até o grande final são apenas pequenos gestos para uma realidade já constantemente violenta e complicada. Por isso, uma demora em analisar cada detalhe do plano, os ângulos mais abertos para uma observação minuciosa. Tudo colocado ali é apenas uma gigantesca representação e uma busca por nenhuma exacerbação de sentimentos ou gestos.

Em alguns momentos, Chicuarotes rememora um trabalho quase primordial de cinema e obsevação de mundo do neorrealismo italiano. Enquanto isso, em outros, estamos sob uma proposição meio desleixada e repetitiva, podendo observar outros detalhes da mesma edificação do filme. Olhando para ambos os fatores, Gael García Bernal faz um trabalho bem interessante quando olhar a mais do que simplesmente uma narrativa de amizade. Por outro, ele acaba pecando em não olhar com mais afinco também a todo esse pano de fundo, na qual acaba sendo necessário mais ao final. Em uma busca por um drama de denúncia sobre uma realidade no México, Gael consegue trazer o olhar para a necessidade das pequenas relações de humanos ali. Mesmo que muito mais difíceis e diferentes do que se imagina.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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