Crítica – Coringa

Qual a principal diferença entre um sorriso e um choro? Essa pergunta pode ter sua resposta simples (a felicidade/tristeza) e também uma mais complexa (nossa relação com o mundo). A cena inicial de Coringa mostra bem como essa duplicidade funciona ao personagem título. Ele, pintando seu rosto de palhaço para uma ação de trabalho, brinca com seu rosto, fazendos caras tristes e felizes. Todo esse impacto da complexidade personalística é ainda atrelada a estarmos vendo a sequência por um espelho, como se tudo fosse um reflexo do que ele realmente seria. Porém, o que ele realmente seria? Essa deveria ser a pergunta a ser feita. E é ela a tentar ser respondida durante todo o filme.

Na história, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) é um homem na qual vive a vida com problemas financeiros, psicológicos e ainda precisa cuidar de sua mãe, Penny Fleck (Frances Conroy). Seu maior sonho era fazer comédia em stand-ups, contudo acabou sendo renegado ao trabalho de palhaço. Ele sofre frequentes problemas no emprego e tudo piora ainda mais quando Fleck é demitido. Com o tempo, seu descontrole começa, após perceber que não consegue fugir desse ciclo. Ele então percebe a necessidade de reagir de alguma forma a tudo aquilo, independente se suas atitudes não são corretas.

Estamos partindo de um universo bem particular. O diretor Todd Phillips apresenta essa sua realidade como os anos 80, na cidade de Gotham. Essa, pautada em uma veia quase expressionista em trabalhos anteriores, aqui é vista como um ambiente sujo muito mais do que aterrorizante. As ruas sempre com papéis e as pessoas distantes denotam bem isso. Phillips consolida sua realidade social como um fator principal para o motor narrativo. É esse fato consumado na qual irá modificar completamente Arthur, devido a já ser pertubado por toda a situação. Esse lugar hostil, trabalhado sempre com planos abertos, rememora quase uma veia urbana setentista na abordagem, digna de produções como Taxi Driver, de Martin Scorsese, e Operação França, de William Friedkin.

A encenação de Phillips transita nessa tentativa de aproximação do olhar do protagonista sobre esse mundo, ao mesmo tempo tempo que o coloca sempre nos cantos do meio urbano (os planos dentro da casa e nas ruas, ele nunca aparece muito centralizado). A loucura consumada na cabeça dele – desde o primeiro minuto – vai assumindo tons mais sombrios, até demonstrada pelas pinturas faciais e formas de relacionamento. Muito foi falado sobre uma possível defesa de ‘incels’ aqui, todavia o trabalho feito é de um estudo de personagem. Obviamente, há algumas tentativas de gerar uma empatia pela sua situação degradante. Apesar disso, a questão vai muito mais em como a cidade em um caos urbano e a falta de apoio do governo, consegue construir seres problemáticos/psicopatas (e isso ainda possui conexão ao universo do Batman).

A obra ainda chega a assumir um papel mais violento para conduzir isso. Isso é feito com mais força próximo ao fim, em uma cena dentro do apartamento de Arthur e outra em um programa de TV. Esses detalhes servem mais como enfatização de um pertubação tão grande a ponto de necessitar descontar em algo ou alguém. Interessante ainda mais como Todd dá um enfoque a toda a questão televisiva na cobertura do Coringa, como um monstro em ascensão, porém sempre sendo falado – uma crítica para a imagem de, por exemplos, atiradores sendo falado em noticiários.

Apesar disso, a narrativa do longa tem uma certa problemática em transitar nesse lado dramático e da violência. Quando acontece, é abrupto no primeiro momento, mas não para chocar. Já a partir do segundo, ele possui um ideal mesmo de uma força bruta pairando pelo ar, especialmente em um uso da tesoura. Quando essa ação é estourada ao caos urbano, no entanto, ela é vista mais passivamente e menos diretamente relacionada ao personagem. Para Arthur, a atitude de uma violência perante outros está muito mais relacionada a uma questão pessoal do que qualquer outra coisa.

Dessa forma, Coringa é um filme devidamente interessante ao explorar seus temas. Definitivamente gerará um debate em torno dele, principalmente pelo relatado acima. Contudo, sua busca por gerar uma história de transformação do personagem geram uma experiência de constante perturbação. O objetivo é sempre causar sensações para os telespectadores, seja de compaixão, tensão e uma aversão. É um tentativa até bastante complexa por parte de Todd Phillips ao olhar a construção dos demônios sociais por toda a cidade. Se pode parecer bizarro a primeira vista, tudo é pior quando se parar para pensar sobre toda relação psicótica dos humanos na atualidade.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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