Crítica – Dilili em Paris
É o auge da chamada ‘Belle Époque’ parisiense. Em todos os lugares, se vê aquele olhar clássico, e até bastante romântico na atualidade, da cidade luz. É o período de grande destaque artístico também, com produtores como Degas, Monet, Renoir, entre outros, fazendo enorme sucesso no mundo das artes plásticas. É nesse contexto que somos colocados dentro da história de Dilili (Prunelle Charles-Ambron), uma pequena garota negra no meio desse turbilhão de acontecimentos. O destaque para sua cor é, especialmente, pelo forte preconceito do período não enxergar uma visão além da tonalidade de pele. Ela vive em uma família rica, depois de ter vindo do território africano, como diversos imigrantes dentro da França na época.
O contexto é muito importante dentro da direção de Michel Ocelot em Dilili em Paris. Aliás, não apenas muito importante, como é o grande impacto visual da sua obra. Esse olhar sempre lateral aos acontecimentos, traz uma questão de cores e objetos sempre muito interessantes para uma animação. Todos reforçam um ambiente catártico de possibilidades, mas, ao mesmo tempo, opressor. Ocelot, reconhecido por fazer outros longas que trabalham na questão específica de ancestralidade africana e da cor de pele, aqui tenta buscar uma leveza maior aos atos. O olhar da narrativa é todo sob a protagonista, tendo uma ingenuidade agravada quando se depara com situações mais complexas – e essas não são poucas.
Afim de dar o espaço para sua visão ir até os caminhos menores e verdadeiros dessa Paris (reforçado bastante pelo andar pelas vielas e nunca através das ruas principais), Dilili conta com a ajuda de Orel (Enzo Ratsito). Apesar de não chegar a realmente discutir a dualidade étnica de ambos, pelo fato de um ser branco e o outro negro, é forte a maneira que a primeira impressão causa. Aliás, toda a primeira cena é digna de uma construção sob uma ideia particular dos negros, com a protagonista estando em uma espécie de visão zoológica africana. Tudo é quebrado quando vemos o rosto branco de Orel preencher a tela. Seu olhar parece não ser para uma relação preconceituosa, todavia sim o que teria afundo naquilo tudo.
Para desenvolver os arcos mais claros, Ocelot coloca uma trama principal aparentemente boba. É sobre um grupo de revolucionários que está sequestrando diversas garotas. O subtexto nisso é o fato deles terem uma visão ainda mais arcaica do que a realidade do período. Para esses, as mulheres precisariam ser totalmente subservientes, devendo servir de lugares para os homens sentarem nelas, além de não poder mostrarem o rosto. Existe até um interessante coro nessa questão com a série Watchmen, ambas retomando visões conflituosas temporais.
O debate chegue a ser deixado para acontecer, porém ele não toma verdadeiras proporções. Nesse sentido, faz falta pela direção ousar em uma narrativa que busque situações mais pesadas ainda. A situação está ali, seu efeito dramático serve apenas como uma relação bem infantilizada. É uma tônica de toda a obra: a cada momento em que se poderia ver debates mais complexos, tudo retoma um olhar pequeno, do ponto de vista de Dalili, mesmo que o mundo a sua volta seja bem maior. Não é apenas no lado de gênero, mas a própria fala sobre raça, ficando delimitada mais incisivamente ao início.
Dentro de todas as suas escolhas e temáticas abordadas, Dilili em Paris consegue ser mais forte apenas na mais simples: em sua narrativa de caminhar sob a cidade de Paris. Como uma gigantesca homenagem e quase em uma direção de gameplay para os diversos obstáculos, é uma obra que realmente funciona, possuíndo um charme a mais com a personagem principal. Contudo, falha fortemente em executar suas discussões mais profundas, que acabam sempre levantadas, porém nunca realmente cortadas pelo filme.