Crítica – Entre Nós Talvez Estejam Multidões

Palavras, querendo ou não, são frequentemente associadas a certas imagens, incutidas em nossa mente por diversas maneiras. Quando se fala de “classe trabalhadora”, por exemplo, o que brota na mente é provavelmente um homem, rústico, que trabalha na indústria ou na fábrica, e não uma mulher LGBT, que vive de bicos, assim como provavelmente essa figura não seria associada a palavra “militante política”. Mas, se tem algo que Entre Nós Talvez Estejam Multidões deseja mostrar é que, felizmente, o mundo é maior e mais diverso do que a nossa rasa concepção nos diz as vezes.

Entre Nós Talvez Estejam Multidões se ambienta na ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte, às vésperas das eleições de 2018. Esse último dado, porém, demora a ser revelado, mesmo que o filme não esconda suas intenções políticas, afinal, ele abre com uma reunião de moradores discutindo medidas para fazer com que os Correios reconheçam a existência daquele endereço, como mandar cartas para suas próprias casas e ir a agência da instituição perguntar onde está tal carta. Uma preocupação concreta – ter seu endereço reconhecido -, e que também só pode ser solucionado de modo concreto.

Essa primeira cena pode levantar certas suspeitas acerca da intenção do longa com esse grupo de pessoas, já que nela, não vemos o rosto de ninguém, nem de quem fala, somente pessoas juntas em uma rua mal iluminada. Serão eles tratados só como massa, sem faces próprias? A resposta vem na cena seguinte, com uma jovem cantando em um palco improvisado. Não é só sobre ações coletivas, mas também sobre jornadas pessoais, que formam o todo.

Assim, Entre Nós Talvez Estejam Multidões constrói uma síntese entre os métodos de cineastas como Frederick Weiseman e Eduardo Coutinho, o primeiro focado em instituições, e o segundo em pessoas. Os diretores Pedro Maia de Brito e Aiano Bemfica pegam um pouco desses dois pois reconhecem que aquela ocupação tem papel político mesmo, então é necessário acompanhar as reuniões que tratam sobre como o movimento vai alcançar certos objetivos. Apesar disso, eles também percebem que as histórias individuais são parte desse todo, assim como nem todos ali tem foco na política, a potência de alguns reside nas artes.

Mas talvez o mais importante feito do documentário é trazer a política como parte do cotidiano, algo que está onipresente na vida dessas pessoas como qualquer outro assunto, e em um momento onde a mera menção da palavra “política” faz tantos a rejeitarem imediatamente. Em uma cena, uma mulher veste uma camisa do movimento social do qual faz parte, o MLB, ao fundo é possível ver o adesivo de campanha para uma deputada, a conversa? Sobre como ela conheceu sua companheira. Se Coutinho admitiu em uma de suas entrevistas que evitava entrevistar pessoas que “colocavam um manto”, pois achava que assim elas iriam querer simplesmente dar um recado, Brito e Bemfica mostram que não é bem assim. Uma pessoa é mais do que suas ideologias, no entanto elas são parte importante dela de qualquer modo.

Ao conversar com um amigo sobre o filme, ele disse o seguinte sobre a obra, “o clichê se adequa: potente”. Outro clichê encaixa em Entre Nós Talvez Estejam Multidões: necessário. Colocar a política como força comum entre as pessoas, mais ainda, como instrumento para mudança da realidade é algo que eu, particularmente, sentia muita falta no nosso cinema. Militar politicamente não é abrir mão de si, mas dar a mão ao outro.

Esse texto faz parte da nossa cobertura da 24ª Mostra Tiradentes.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *