Crítica – Godzilla Vs Kong
Quando um filme conta com duas figuras muito queridas se digladiando, o resultado só pode ser um: ninguém sairá, de fato, derrotado dessa história, pois o verdadeiro vilão é na verdade uma terceira figura, que a dupla principal deverá derrotar unindo forças após caírem na porrada inicialmente. Afinal, tanto Godzilla, quanto King Kong, são figuras vistas de modo benevolente, ninguém ousará colocar um dos dois como o grande vilão da história, e Godzilla Vs Kong adere a isso.
Mas mesmo assim, o longa de Adam Wingard surpreende ao colocar Kong como o protagonista de fato da história. Mesmo que o nome do lagartão seja o primeiro no título, é com ele que o longa começa sua história, na famosa Ilha da Caveira. Ao colocar o símio à frente da narrativa, Wingard traz uma curiosa humanização ao personagem, se preocupando muito em mostrar alguns pormenores da existência dele – o vemos tomando banho no ínicio da produção, por exemplo – e suas reações ganham grande destaque nas sequências de ação, ao quase se sufocar no oceano, seu retorno conta com uma cena dele vomitando água, ao deslocar o ombro, o vemos o colocando no lugar. Suas expressões faciais também são muito bem detalhadas, é difícil não simpatizar com o olhar cansado dele após uma briga.
Assim, se Godzilla vs Kong é a jornada de Kong, o que o Godzilla faz? Talvez pelo fato dele ter tido dois outros filmes prévios nessa sua nova versão, a Zilla cabe o papel de antagonista – não necessariamente vilão -, já que seu comportamento durante boa parte do longa é de impedir o progresso de Kong, e seus momentos de destaque se reduzem as cenas de destruição e porradaria mesmo. Isso não quer dizer, porém, que Wingard não se delicie a sua moda com o titã, se o uso do raio atômico nos longas anteriores era reduzido a momentos chaves, aqui, sempre que possível a arma está sendo utilizada, já que a aparência da mesma combina muito com a estética banhada de neon do diretor.
Esse novo capítulo da franquia combina de modo bem eficaz certas sensibilidades dos anteriores, especialmente dos relacionados ao Godzilla. Assim como na obra de 2014, dirigido por Gareth Edwards, os humanos aqui importam muito pouco, e suas histórias são servem mais para que possamos acompanhar os monstros do que qualquer propósito dramático. Wingard, na verdade, torna isso até mais explícito, pois o núcleo de humanos ligados à Kong são quase choferes dele, o transportando do ponto A ao ponto B. Do filme de 2019, Rei dos Monstros, há o ar de “brinquedos dos anos 80”, com todo mundo ganhando apetrechos que não estariam fora do lugar numa caixa de bonecos, como uniformes para os humanos, transportes voadores e afins, enquanto Kong ganha um machado.
Isso se estende também ao núcleo humano relacionado ao Godzilla, já que poucas coisas são mais “filmes dos anos 80” do que crianças/jovens entrando em lugares que não deveriam. As lutas entre os monstros tem uma movimentação muito divertida, que remete aos embates de luta-livre, com os cenários dos duelos sendo colocados como ringues mesmo, e até golpes similares podem ser observados.
Tanto Godzilla quanto Kong, ao longo da sua história, foram tratados metáforas para outras questões. Vale lembrar que o primeiro Godzilla, de 1954, possui imagens que remetem diretamente ao bombardeio nuclear de Hiroshima e Nagasaki. Não há tal subtexto em Godzilla vs Kong, mas sim uma grande brincadeira de luta entre bonecos gigantescos, com um fiapo de história para justificar, onde um brinquedo é claramente o preferido e funciona perfeitamente bem dentro dessa proposta. Poucas coisas me divertiram tanto quanto Kong dando um dropkick em Godzilla.