Crítica – Besouro Azul

É possível dividir a história de adaptações para o audiovisual dos quadrinhos de heróis em diversas etapas. É um pouco difícil delimitar eras, porém fica claro saber como, a partir dos anos 1960, elas ganharam mais forma e relevância. Neste sentido, três produções reverberam bem o caminho primordial: Batman e Robin (1966-1968), O Incrível Hulk (1977-1982) e Superman: O Filme (1978). Todas trazem um olhar menos recheado de referências e mais simplista, banal, ingênuo e cotidiano da vida dos personagens. A ideia era mais apresentá-los a um grande público, ante o nicho de leitores de quadrinhos anteriormente. Os problemas menores são mais relevantes que os grandes da humanidade.

Passados muitos anos, a DC passa por uma grande reformulação em seu universo. Após tentativas frustradas da construção de algo a partir dos filmes de Zack Snyder, há uma ideia de buscar algo com os comandantes atuais: James Gunn e Peter Safran. Contudo, saímos do olhar mais bobo do começo dessa trajetória e passamos para o conceito de seriedade profunda e um ultrarealismo das tramas de heróis no cinema. A Marvel, aliás, que tentou traçar isso como um caminho ao longo dos anos (criando até mesmo uma fórmula, como nas HQs com Stan Lee), parece ter entrado em um limbo. Em um mundo de tanta seriedade, o que parece estar em falta?

Besouro Azul traz uma resposta diretamente do passado, como um filme iniciante, de um mundo menos sério e mais apegado. É esse o olhar que parte do diretor  ao buscar uma narrativa que tem seus tracejos espalhafotos e desnecessariamente grandiosos, porém que trata apenas de uma coisa: a defesa da própria família, dos seus, por assim dizer. Através dessa ideia, ele desenvolve Jaime Reyes (Xolo Maridueña), um jovem que acabou de se formar em direito e volta para a casa dos pais. O problema é que a família, composta ainda pela irmã, pelo tio e pela avó, vai perder o local de moradia por causa do aumento no custo do aluguel. Desse jeito, ele acaba tendo que recorrer a uma dar herdeiras das indústrias Kord, Jenny (Bruna Marquezine) para buscar um trabalho. Nesse meio, se envolve em uma grande trama política.

Como dito anteriormente, a encenação de Soto realmente traz a construção familiar como algo central a sua história. Ao menos até os primeiros 40 minutos de produção, quase 90% deles são apenas tratando a relação dos seis, passando desde observações mais dramáticas (essencialmente atreladas ao pai), até as mais cômicas, que são o grande ponto de destaque (algo que aparece forte com a irmã e o tio de início e, ao fim, com a avó). Esse ponto é essencial também para gerar a correlação do drama do vilão Carapax (Raoul Max Trujillo), também atormentado por problemas da família, e da própria Jenny, que perdeu o pai e vive sem força na empresa comandada pela vilanesca tia Victoria (Susan Sarandon).

A forma como o cineasta transforma Besouro Azul em claramente um filme ingênuo de si mesmo é até meio fascinante. Ele não busca um realismo profundo para algumas explicações – como os motivos do tio Rudy (George Lopez) saber de tecnologia. A ideia é justamente trabalhar essa trama como algo pueril, resolvido dentro de si mesmo. A ingenuidade é até mesmo transportada para o jeito como Jaime vira o herói e na consolidação absolutamente simplista e banal da vilã.

Só que os maiores problemas do longa estão justamente quando ele se assume como algo puro de herói, tendo a necessidade de se explicar demais, ou até mesmo quando acaba querendo detalhar todos os planos de dominação mundial – a cena de apresentação de Marquezine reforça bem isso. É no seu tracejo mais pueril que tudo dá realmente certo. É quando ele se assume realmente como mais plastificado e menos “realista”. Aliás, isso também fica bem claro na sequência de luta findoura. Em vez de algo genérico,  faz seu próprio tokusatsu, usando e abusando das destruições em construções, socos com zoom e mais, em roupas brilhantes. É a “breguice” pela “breguice”. Bonito de se ver.

E realmente Besouro Azul é isso, bonito. Longe de buscar alguma proposta muito maior que os próprios pés mostram, suas ideias acabam em si mesmas. No fim das contas, é mais realmente sobre a proteção da própria família, algo devidamente latino. Esse olhar está por toda parte, até mesmo na segunda cena pós-crédito. Em certo sentido, pode se ver como uma espécie de manifesto. Como diz um dos personagens, “chegou a hora de ter um herói nosso”. Talvez tenha mesmo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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