Mogli – Entre Dois Mundos é uma releitura sombria do menino lobo

Em um dos momentos inciais de Mogli – Entre Dois Mundos, o diretor Andy Serkis demonstra até que ponto ele pode chegar com sua história. Focando no temor de uma natureza totalmente selvagem, o foco está muito mais em entender o sentido desse ambiente – formado por efeitos visuais – do que a relação de amizade, propriamente humana, entre Mogli e Baloo (feito aqui por Serkis), como acontece na clássica animação. Esses sentidos transformam esse longa em uma nova experiência cinematográfica dessas adaptações live-action, mesmo essa não tendo sido feita pela Disney. Serkis busca entender o porquê de sermos tão animalizados e racionais ao mesmo tempo.

Na trama, o menino Mogli (Rohan Chad), após ter seus pais mortos na floresta, é deixado e cuidado por um grupo de lobos, no coração desse lugar. Após passar sua infância nesses cuidados, mas sempre sendo ameaçado pelo tigre Shere Khan (Benedict Cumberbatch), o garoto começa a descobrir o mundo ao seu redor e perceber que o horizonte é ainda maior do que ele imaginava.

Existe um sentido narrativo bem claro de tentar experimentar algo novo em uma história muito conhecida. Para isso, o diretor não mede esforços em entender muito mais a relação do protagonista com o ambiente, algo necessário para sua sobrevivência. Para isso, não são poucos os momentos sem diálogos, apenas para ouvir alguns personagens caminhando ao som da mata se abrindo, além da utilização de planos mais longos, buscando valorizar espacialmente esse sistema. Para o cineasta, isso também é importante na construção da segunda metade da obra, quando Mogli aparece entre os humanos e precisa entender um pouco sobre essa conexão humana ainda presente no seu DNA.

Essa questão de uma figura relativa ao ambiente, rememora bastante o feito por David Lean, em 1962, com Lawrence da Arábia. O diferencial entre Lean e Serkins é que o segundo entende mais esse sentido como algo relativo a um debate quase filosófico de ser humano. Já Lean entende esse preceito para um lado de guerra, como se os humanos fossem sempre autodestrutivos, necessitando da guerra independente do ambiente na qual estejam.

Falando sobre essa segunda parte, é intrigante como se gera um contraponto bem claro pela direção da vida em sociedade humana e animal. Enquanto no início, os rituais são mais focalizados na questão da caça ou até em um treinamento de fuga – momento esse que reforça esse lado de um constante receio da figura principal por ser humano -, o instante posterior demonstra mais o lado das danças e da caça, gerando até uma analogia de John Lockwood (Matthew Rhys) com Shere Khan. É quase uma criação de um novo mito do Tarzan, buscando os diversos elementos que a história, também desse humano em uma floresta, costuma reproduzir.

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A fotografia de Michael Seresin também apresente um componente muito forte de fantasia na construção da película. O contraste entre o azul e o vermelho formam um elemento sempre relativo para a construção da mise-en-scène (geografia das cenas), em favor de gerar sentidos para cada uma delas. Enquanto o vermelho sempre rememora o perigo constante enfrentado pelo menino na natureza, principalmente quando os antagonistas estão próximos, o azul apresenta uma relação de frieza humana e também de uma tranquilidade (principalmente provocada pelas cenas aonde aparecem o céu).

Mesmo com esse lado do visual e formalista muito presente, é claro como o longa tem um problema muito profundo no desenvolvimento dos seus personagens. Serkis parece muito mais admirado nos sentidos criados, mas não propriamente em seu desenvolvimento da história. Nisso, as relações apresentadas sempre parecem muito amenas, quase como se um conflito pouco tivesse sendo construído. Um exemplo bem claro disso é o vilão Shere Khan, um personagem totalmente amorfo, destituído de características próprias. É muito mais um animal formalizado pelas reações que apresenta ao seu ambiente do que um afronta, algo próprio a qualquer antagonista. O protagonista também parece apenas a observar a vida na sua volta, sem querer realmente tentar ser alguém objetivado. Inclusive, essa relação de herói/vilão é trabalhada de maneira porca, já que existem apenas duas cenas de confrontos mais diretos.

Mogli – Entre Dois Mundos é um trabalho devidamente diferenciado pelo diretor Andy Serkis. Apesar de ser um filme extremamente mal desenvolvido na sua trama principal, ele acerta em criar um sentido para seu próprio universo, fato esse pouco estabelecido em adaptações live-action. Está longe de ser uma obra perfeita, porém traz uma originalidade e fatores mais violentos pouco desenvolvidos dentro do gênero mais fantasioso. Como experimento, deverá ser relembrado, mas como uma obra audiovisual, provavelmente, será esquecida.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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