Crítica – Jair Rodrigues: Deixa que Digam

A primeira cena de Jair Rodrigues: Deixa que Digam rememora a música “Deixa isso pra lá”, um dos clássicos do cantor, cantada inicialmente pelo mesmo em uma filmagem de arquivo. Depois disso, passa por várias personalidades que serão entrevistadas ao longo do documentário, com cada uma cantando uma continuidade. Essa imagem inicial construída pelo filme, reforça a ideia que será vista no decorrer das pouco mais de 1h30: a continuidade.  constrói a imagem de seu personagem principal menos pelas filmagens de arquivo e mais pelo legado consolidado pelo mesmo, que está presente nas músicas brasileiras até hoje.

Esse elemento é tão fundamental na encenação que as filmagens de arquivo ocupam um espaço bem menor que poderiam. Na realidade, quando aparecem mais claramente – como em uma sequência de entrevista falando de “Disparada” -, no qual não fica sozinha nunca, sendo colada com falas dos personagens nas entrevistas para o doc. Ou seja, a todo momento Rewald quer que sua produção seja menor com Jair Rodrigues e mais sobre ele como uma figura completa. Suas canções, aliás, também ganham pouco espaço na própria voz, como se fossem marcas no tempo, capazes de serem reproduzidas atualmente com o mesmo vigor. Neste sentido, um destaque especial precisa ser dito sobre o filho de Rodrigues, Jair Oliveira, quase interpretando o próprio pai.

Se ao fazer isso Jair Rodrigues: Deixa que Digam pode até se transformar em uma homenagem mais interessante, acaba tornando o longa um pouco mais… vazio. A trajetória do protagonista, assim como as suas relações musicais (a parceria com Elis Regina em três álbuns, por exemplo, ou até mesmo sua importância na construção do rap nacional), parecem ser renegadas mesmo pela trama. A narrativa dá tanta força para um olhar contemporâneo a essa figura, que esquece que ele também construiu algo no seu próprio tempo – e isso quase se torna sem importância.

Outra questão que causa incômodo é a forma como o documentário também soa apenas como uma grande celebração, evitando polêmicas do artista. Em certo lado, faz sentido por toda a ideia de como o diretor coloca cada cena como representação de um legado, contudo deixa a figura ainda menos relevante. Um desses momentos que soa muito simplista é a participação dele em meio a Ditadura Militar. Nesse momento, Jair dizia se considerar “apolítico”, o que gerou críticas da classe artística naquele momento, extremamente perseguida pelo regime. É como se a obra reproduzisse esse lado dele atualmente.

Mas é fato que Jair Rodrigues precisa ser lembrado sempre e está marcado na história da música brasileira. Seu legado não será destruído, e é isso que Jair Rodrigues: Deixa que Digam busca reforçar. Menos um documentário e mais quase um musical de lembrança, Rubens Rewald consegue até fazer algo interessante de se acompanhar, porém que soa bem menor do que realmente poderia ser. Desse jeito, sabemos muito sobre a importância e continuidade de tudo que Rodrigues construiu. O problema é que isso está mais na boca desses entrevistados e menos na forma como vemos na tela.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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