Crítica – Má Sorte No Sexo Ou Pornô Amador

Ao se escrever sobre Má Sorte No Sexo Ou Pornô Amador, novo longa do diretor romeno Radu Jude, é difícil escapar de tecer comentários sobre a cena de abertura, que retrata exatamente aquilo que o longa traz em seu título. Um pornô. Amador. Não duas pessoas realizando uma performance sexual para a câmera de modo a ser consumido por milhares de pessoas, mas sim duas pessoas gravando um momento íntimo para si mesmas. Evidentemente, é algo bem explícito, só que também atrapalhado, como frequentemente o sexo de verdade é, algo que quase não vemos nas telas. A câmera não enquadra os participantes corretamente, e por vezes é possível ouvir vozes de pessoas fora do cômodo onde a “ação acontece”.

Os envolvidos são anônimos, em primeiro momento, mas logo um deles ganha identidade. A mulher, Emi (Katia Pascariu), professora de história em uma escola secundária que tem seu cargo ameaçado após o dito vídeo vazar, escandalizando os pais de seus alunos. Uma reunião entre pais e professores foi marcada na escola para definir o que será de Emi. Mas antes disso, ela precisa lidar com seus problemas do dia a dia.

Má Sorte No Sexo Ou Pornô Amador se passa durante a atual pandemia de coronavírus que encaramos, mas esse aspecto não é central a narrativa, somente parte do cotidiano, com todos usando máscaras, álcool gel e afins. Na primeira parte da produção, que se divide em três, as cenas rotineiras criam um contraste forte com a abertura do filme. Vemos Emi em seus afazeres, como ir ao mercado, farmácia e afins, testemunhando pequenos acontecimentos ao longo do dia que pintam a sociedade romena como algo longe do ideal, para ser gentil. As grosserias rotineiras são abundantes, com carros parados em cima da calçada atrapalhando pedestres, assim como os absurdos, como aquela conversa baseada em notícias falsas sobre a pandemia. 

Aqui, Emi é só mais uma cidadã no meio dessas situações, com Jude a filmando de longe, em planos abertos que não a destaca muito dos outros, exceto nos momentos em que ela lida com seu problema peculiar.

A segunda parte do longa muda totalmente seus procedimentos, e Má Sorte No Sexo Ou Pornô Amador se torna uma espécie de glossário ácido de termos. Imagens e definições são jogadas na tela, quase sempre evidenciando um aspecto mais malicioso do que está sendo mostrado. Por exemplo, quando um grupo de crianças cantando um hino aparece na tela, a legenda destaca a doutrinação feita pelos pais em seus filhos. 

Essa seção revela certo didatismo de Jude, já que muitos dos termos destacados ganham cena na terceira parte do longa, de modo muito mais interessante, por meio do “julgamento” de Emi, com os personagens incorporando certos pontos na sessão prévia em suas falas e atitudes. Um exemplo é de uma das mães gritando que quem decide o que é melhor para o filho é ela e pronto. 

É só nessa terceira e final parte que Má Sorte No Sexo Ou Pornô Amador consegue articular melhor as discussões levantadas ao longo de todo filme, se entregando a comédia absurdista e evidenciando as hipocrisias da sociedade de modo muito cômico, como todos os pais parando para assistir ao tal vídeo do início, agindo com horror, mas sem conseguir tirar os olhos da tela. As duas primeiras partes soam como “preparação” para esta, como se algo muito complexo estivesse para ser abordado aqui. Não é o caso, já que Jude aposta em caricaturas – um dos pais vai a reunião fardado – para realizar seus pontos sobre hipocrisia e afins. Curiosamente, a abertura da produção é uma boa síntese dele como um todo, atrapalhada, nem sempre agradável de se assistir, por mais que os participantes não percebam isso, mas no final, prazerosa. 

Esse texto faz parte da nossa cobertura da Mostra de São Paulo 2021

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