Crítica – Mad God

Como criar uma epopeia? De que forma é possível gerar uma história a ponto de ser tão gigantesca, que é praticamente impossível querer adicionar algo a mais? Bom, Phil Tippett demorou algum tempo até conseguir pensar isso. Mais precisamente, 30 anos. Um dos mais reconhecidos especialistas de efeitos especiais do cinema sempre teve o conceito na sua cabeça de Mad God. Após trabalhar em Star Wars, Robocop e Indiana Jones, ele resolveu iniciar colocar para frente um projeto que tinha em mente no ano de 2014. Dentro de três curtas, finalizou parte da trama que viraria algo muito maior. A trilogia de Mad God ficaria completa apenas em 2021, no lançamento do seu primeiro longa.

O filme de stop-motion se passa em um cenário apocalíptico. É um universo que parece ser impossível de respirar ar puro, por isso todos aqueles que são humanos – ou, pelo menos, parecem – usaram máscaras de proteção. Acompanhamos a trajetória de um deles, que desce em meio a uma espécie de inferno particular, mas também geral. Por lá, é perseguido pelas mais diversas criaturas e vive atrás de tentar encontrar uma saída desse ambiente.

O elemento fundamental de Tippett aqui é sua construção atmosférica. É um universo que se constrói e reconstrói a cada novo cenário, nova sequência, em que é praticamente impossível saber o que poderá acontecer. Dessa forma, é interessante como Mad God também se transforma em um grande projeto de experimentação da animação para uso de gêneros. Vão desde o terror até a ficção-científica, passando por trajetórias de comédia, drama e fantasia. É complexo buscar uma definição dentro da produção, já que a mesma realmente não busca se definir por si só. Dentro daqui, a ideia é realmente a reconstrução de áreas e ideias a cada instante, para que a caminhada dentro desse mundo seja proveitosa para o telespectador, só que complexa ao protagonista.

Por isso mesmo, são claras as inspirações que o cineasta se observa. Existe uma conexão bem direta com a primeira parte da Divina Comédia, de Dante Alighieri (o famoso “Inferno de Dante“). Mesmo sem alguém que acompanhe nesse andar dos mais diversos cenários sempre infernais – em que o personagem principal pode morrer em qualquer lugar -, ele convive sempre com uma realidade nova. Isso é também curioso dentro do aspecto de dramaticidade e de um olhar mais lúdico para o filme. Por exemplo, se, inicialmente, não temos uma conexão clara com essa persona, aos poucos vamos entendendo sua trajetória nesse ambiente. Da mesma forma, é como se ele entrasse cada vez mais dentro de um mundo impossível de se resolver.

O longa não busca ser apenas um em si só. Ele olha para diversos lados atrás de quase buscar uma conexão antropológica capaz de explicar como esse universo virou o que virou. Mas não existe nada que possa trazer respostas, apenas mais questionamentos. Com esses pontos, a animação sabe muito bem criar uma expectativa no público em ir atrás de respostas em cada nova situação, nova aparência que acontece. Todavia, o que menos vamos encontrar aqui é algo mais direto, e sim mais construções nos fundos. Desse jeito, até rememora bastante um ambiente de um game, como Limbo e Inside.

Muito menos que correr atrás de olhar para o telespectador, Phil Tippett busca com Mad God uma verdadeira experiência. E não apenas no caráter do conceito em si dessa palavra, mas na forma de como ela é atuada dentro da narrativa. É um filme que está sempre atrás de se reinventar a cada novo instante, a cada nova situação, e nunca ser realmente claro no que está entregando. A busca do cineasta em demorar 30 anos para pensar tudo isso talvez realmente faça sentido. Isso porque, especialmente, ele parece estar atrás de tirar o máximo disso tudo.

Esse texto é parte da cobertura do 74ª Festival de Locarno

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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