Crítica – O Farol

É complexo pensar em O Farol. Em seu segundo filme da carreira, Robert Eggers vai para um caminho relacionado, porém um pouco distante de A Bruxa. O terror, na qual o colocou como um dos possíveis nomes dessa geração, traça aqui um paralelo mais a nível de loucura do que uma realidade, como em sua produção anterior. Isso porque aqui acompanhamos uma história digna de paralelos com O Iluminado, sobre dois homens em um farol de uma ilha inglesa nos anos de 1890. Eles são os homens Thomas Wake (Willem Dafoe), acostumado já a frequentar esse ambiente, e Ephraim Winslow (Robert Pattinson), um menino mais novo, contratado para limpar e consertar problemas.

Nesse trabalho, Eggers encaminha para um sentido menos diretamente narrativo ou até didático. Pouquíssimo é explicado e as margens para interpretações cada vez maiores são colocadas a prova. E, até, o mais interessante é como o cineasta deixa sua obra livre, também podendo ser uma busca por uma realidade mais paupável. Isso porque pouco sabemos do passado de seus protagonistas, além disso suas relações são sempre complexas. Iniciam mais burocráticas – conversando sobre tarefas, por exemplo – e vão atingindo ideiais mais melancólicos. O tom, entretanto, é outro. O conceito da masculinidade, com todas suas relações próprias, é a maior dinâmica cênica apresentada.

Com isso, Eggers traz toda uma conexão única do Expressionismo Alemão para mitigar toda sua proposta estética. Não preocupe-se com uma trama mais clara, porém sim a experiência de imersão interessada na obra. Em uma película de 35 milímetros, algo digno de uma produção dos anos 30. Nas suas construções cênicas alternando entre algo amplamente “perfeito” (quase como se os planos ditassem o que vem a seguir) até um trabalho mais complexo, deixando sua câmeras flutuar por esse cenário. A sua encenação busca, desse jeito, traz toda uma conexão própria dos personagens, assim como do público com o farol do título. Fato esse que acaba gerando uma relação bem interligada a qualquer acontecimento.

Porém, retomando o dito no início, a questão masculina é algo central a história. Além dos próprios dois homens, temos apenas pessoas do sexo masculino aparecendo em cena e, quando as mulheres dão as caras, entram em uma analogia apenas ao prazer sexual. Isso rememora até um pouco a ideia das sereias, sempre tentando dominar os homens pela relação de sensualidade. O próprio lugar do título remete a uma figura falíca. A conexão entre os dois, a partir de certo instante pela metade, é metade de um “bromance” e outra metade de uma tensão sexual.

Em toda sua construção de mundo, entretanto, a direção não parece buscar sentidos claros. Para os mais acostumados em um enredo linear, colocando início, meio e fim, talvez essa não seja uma obra ideal. Até existem certos elementos narrativos mais claro, todavia a experiência sensorial é muito mais evidente como algo consolidador do longa. A música de Mark Korven e toda a produção sonora, por exemplo, reforçam isso pelo barulho do navio frequente ao fundo, além dos tons dissonantes crescentes. O suspense de compreender aquilo tudo cresce no telespectador, porém esse já – caso tenha adentrado a proposta – está em outro universo cósmico.

Usando referências de Moby Dick até filmes de F. W. Murnau (não a toa ele tem entre seus projetos uma refilmagem de Nosferatu), Robert Eggers compõe O Farol como uma sensação. Narrativamente é uma história que realmente apresenta problemas ao colocar questionamentos sobre esses personagens sem explicitá-los. Entretanto, em termos de colocar toda uma claustrofobia mesmo em um espaço aberto de uma ilha, há uma sensação de tensão constante. O que poderia ser aquilo? Por que existe uma proteção tão forte a luz em si? Apesar de emular respostas, o diretor busca uma interligação entre esse trabalho e A Bruxa, porém em sentidos diversos. Enquanto no segundo as respostas são bem diretas ao fim, no primeiro elas parecem estar mais na cabeça do público. Suas discussões, todavia, repensam uma certa masculinidade em um mundo extremamente diferente.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2019

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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