Crítica – O Que Você Queer? (1a temporada)

03Aviso: este texto contém spoilers

Bob Pop não é uma figura muito conhecida no Brasil. O crítico de televisão espanhol nasceu em Madrid no início da década de 1970 e também é versado em assuntos como moda e cinema, também trabalhando como roteirista, blogueiro, escritor e até mesmo roteirista. Após anos trabalhando em grandes empresas, Pop começou a construir uma persona no mundo do entretenimento através de blogs e, eventualmente, colunas em jornais e revistas. Em 2021, sua jornada segue novos caminhos com uma série autobiográfica: Maricón Perdido, que chegou ao Brasil através do HBOMax com o infame título “O que você queer?”.

De muitas maneiras, a produção evoca o mundo de Pedro Almodóvar, com fortes cores quentes e relações caóticas entre mães e filhos, além do crescimento e da autodescoberta de uma pessoa LGBT. Também ecoa o recente sucesso da minissérie Veneno, alternando a narrativa entre passado e futuro para detalhar dias marcantes da vida de Roberto.

A história começa no início da década 1980, quando Roberto tem 12 anos. É um adolescente gordo, com poucos amigos, que gosta de livros e de Madonna. Embora seus colegas de escola não sejam nem um pouco piedosos em suas brincadeiras, ele também não tem medo de mostrar quem é: uma das primeiras cenas é uma apresentação escolar na qual Roberto, usando um vestido de casamento, entrega uma rendição incrivelmente não constrangedora de “Don’t Cry for Me, Argentina”.

Lost Fagot", lights up the tv with its mixture of fiction and fantasy - Ruetir

Com direção de Alejandro Marrín, os seis episódios acompanham o protagonista nos momentos mais marcantes de sua juventude e de sua vida adulta, nunca abandonando um em prol do outro. Há muito a ser abordado através das lentes do jovem Roberto e também do adulto, como a descoberta da própria sexualidade em um mundo que não é nada convidativo, gordofobia dentro e fora da comunidade gay e cis, violência sexual, dramas familiares, entre outros. Trazer tudo isso dentro de uma obra de autoficção é certamente um desafio, já que há sempre um olhar cinematográfico por trás. Talvez seja por esse motivo que a produção escrita por Bob Pop não tenha o impacto que poderia ter.

Os episódios de trinta minutos nunca passam muito tempo em um lugar só. Estamos sempre conhecendo as novas realidades e experiências que Roberto está passando, e isso vai do extremo ao singelo muito rápido. Há pouquíssimo tempo para realmente entender a configuração específica daquele momento. O protagonista é frequentemente exposto a situações violentas e traumáticas, que embora não abalem o tom otimista e quase fantasioso da história, certamente afetam a psiquê do personagem, de quem está vendo e de quem escreveu. E isso se aplica a todos os momentos mais importantes da história. Vemos Roberto na faculdade, mas não sabemos como ele chegou lá ou como conheceu sua melhor amiga Lola (Alba Flores), depois o acompanhamos durante a rotina de um emprego sem saber exatamente o que ele faz e porque continua em algo que claramente não está gostando…  Essa falta de linearidade é o que mais prejudica a produção, que é recheada de momentos bonitos e significativos, como a primeira vez que Roberto assiste a uma película de Pedro Almodóvar ou quando encontra, após muita peleja, um parceiro gentil e atencioso.

Maricón perdido (2021) | MUBI

“Você acha que a vida é uma novela?” pergunta Bea, a melhor amiga, em uma das primeiras cenas. É certamente uma das frases de diálogo que definem o seriado. Certamente, a vida de Bob Pop daria uma ótima novela e talvez isso funcionasse mais do que foi exibido aqui: uma narrativa que, embora seja tematicamente rica, é desconexa demais de si mesma para entregar o que é proposto, ancorada somente pelo personagem principal e alguns coadjuvantes (como a mãe e o melhor amigo de infância). Ainda assim, entrega momentos suficientes de dor e doçura para trazer uma reflexão sobre tolerância e encontrar felicidade e aceitação dentro de si mesmo.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *