Crítica – Pedágio

Quando lançou seu primeiro longa-metagram, Carvão, em 2022, Carolina Marcowicz já era vista como uma das grandes diretoras em ascensão no cinema nacional. E isso não apenas entre mulheres, mas de uma forma mais geral. Não a toa, foi ganhando cada vez mais repercussão internacional, o que fez com que a expectativa para seu segundo grande filme, Pedágio, fosse ainda maior. Junto disso, a diretora buscou confrontar diretamente uma temática sobre o mundo LGBT+, que, infelizmente, ainda ronda muitos lares: a tal cura gay.

Desse jeito, a cineasta retrata o assunto de uma forma meio cínica, através, principalmente, de duas pessoas. A primeira delas Suellen (Maeve Jinkings), uma funcionária de um pedágio em São Paulo. Ela é mãe do jovem Tiquinho (Kauan Alvarenga), um garoto que tem seus pequenos trabalhos, é gay e gosta de expressar sua sexualidade através da venda de um produto que faz pela internet. Chocada com tudo que o garoto faz, a mãe resolve tomar uma atitude e fazer um trabalho ilegal junto do namorado Arauto (Thomas Aquino) para conseguir dinheiro afim de pagar um tratamento de “cura” para a sexualidade do menino em uma Igreja.

Cena de Pedágio

Como dito anteriormente, Pedágio é um filme extremamente sínico sobre o assunto que vai retratar. Não a toa, são espécies de duas realidades e formas diferentes de abordar o assunto que a cineasta converge. Enquanto no lado de Suellen há sempre uma exploração meio hipócrita sobre tudo e um drama familiar forte, do lado de Tiquinho é quase uma comédia de erros em certos instantes, e um coming of age. A montagem se certifica de contrastar esses dois mundos de maneira bem direta, para transformá-los em uma espécie de reflexo da sociedade.

Nesse sentido, Marcowicz trata com extrema relevância e ironia todos os instantes. Desde uma colega de trabalho da mãe, que é religiosa e que dá a ideia do tratamento – porém que acaba traindo o marido com diversos motoristas que passam pelo pedágio em que trabalham -, até todas as encenações das palestras dentro da Igreja. Curioso como a diretora brinca com uma espécie da ideia de algo santo, ao retratar esses momentos sempre em planos abertos e o pastor Isac (Isac Graça) colocada como uma figura central. Isso frontalmente, enquanto esse mesma encenação trata de mostrar um cu com diversas setas (isso mesmo que você leu), ou até mesmo um líquido do sexo oposto que ajudaria na atração.

Talvez a grande dificuldade por parte do longa seja em justamente ainda buscar abarcar algo de dramático em uma narrativa na qual as brincadeiras são as que mais se sobressaem. Uma trama mais policialesca de Arauto e Suellen, por exemplo, se tornam tão marginalizadas nessa construção quanto o próprio fim do namorado dentro da história, inteiramente abrupto. Em conjunto a isso, a aceitação maior da própria sexualidade do jovem também acaba por sempre soar simplista demais.

Cena de Pedágio

Carolina Marcowicz faz de uma história até meio banal uma grande epopéia sobre as formatações sociais e o peso da religião. Aliás, muita curiosa a forma como a diretora não chega a retratar nada mais fortemente sobre o cristianismo ou até mesmo os evangélicos. Esse não é um elemento importante, e sim de que maneira essas crenças são constituídas para essas personagens. Pedágio é muito menos um filme sobre o que ele é e mais sobre algo que será construído na cabeça de cada telespectador. Não a toa, o seu final extremamente agridoce, como se, independente de tudo, as coisas apenas continuam.

Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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