Crítica – Pieces of a Woman

É curioso que, em certo momento de Pieces of a Woman, o personagem de Shia Labeouf, o enlutado Sean, fala sobre ressonância, fenômeno físico que ocorre quando um objeto recebe uma energia cuja frequência é a mesma da sua frequência natural. Curiosidade essa que vem da questão do longa, dirigido pelo hungaro Kornél Mundruczó, ser visivelmente dissonante, já que sua superfície diz querer ser uma coisa, mas tudo aponta para outra direção.

Mas a princípio, Kornél sabe construir a sua narrativa que concerne o luto de uma mãe, Martha (Vanessa Kirby),após perder seu filho em um parto. A gravidez tem um jeito único de afetar a vida das pessoas, já que os cuidados necessários fazem com que a vida passe a girar em torno disso, algo muito bem representado. Em uma festa, vemos menos o rosto de Martha do que as mãos em sua barriga de nove meses, no elevador, é como se o mundo se movimentasse, e não a protagonista que o ocupa. Um carro mais espaçoso também é necessário, e afins.

A decisão de realizar a sequência do parto em só take (plano-sequência) poderia ser uma mera firula, mas é inteligentemente usada para reforçar a tensão da situação, onde cada ato importa, e ficamos envolvidos em cada novo desdobrar da situação, seja um arroto ou o esforço para se levantar e mudar de ambiente. O acúmulo de acontecimentos em tempo real constrói uma palpável sensação de cansaço e exaustão, mas a cena também transmite a sintonia entre o casal – que conversam o tempo todo enquanto a situação evolui. Há quem diga que a cena espetaculariza a dor. Não creio que seja o caso, já que o plano sequência não necessariamente tem esse efeito. Há certo respeito com os elementos mais sensíveis da cena, vemos brevemente o bebê saindo, e a morte do mesmo não cabe a nós vermos.

A partir daí, Pieces of a Woman entra no território que deseja de fato explorar, a narrativa começa a sair de arranjo, e particularmente porque ele cria um certo distanciamento daquela que deveria ser seu foco: Martha. Após sofrer a enorme perda, a protagonista passa a ter um comportamento compreensivelmente distante, porém isso é tudo que ela é permitida ser. Suas cenas são compostas pela personagem com olhar distante e expressão abatida em diversos lugares, começa – é claro – a fumar e a olhar com dor para crianças no seu dia a dia. Emoções mais fortes só lhe são permitidas para momentos chaves. Vale contrastar isso com o modo que Sean se expressa, onde lhe é permitido ser falho, triste e até mesmo violento, mesmo que suas cenas pouco agreguem ao todo narrativamente, sua experiência é muito mais variada. A Sean é permitido ser uma pessoa, enquanto Martha fica artisticamente triste, quase sempre ficando na esfera do que é aceitável, ela flerta com outro homem em certa cena, mas não leva nada adiante, é uma dor descomplicada, de fácil assimilação.

No meio disso tudo, há também um processo – que não é explicado muito bem como ou quem começou – envolvendo a parteira de Martha, interpretada por Molly Parker, que está sendo culpada pela morte do bebê. O problema é que isso soa muito mais como elemento de tensão fácil do que outra coisa. É como se Kornél não conseguisse explorar essa questão da culpa na narrativa de outra maneira, e encaixa esse ponto para que essa exploração se desse de modo mais explícito.

Apesar disso tudo, existem momentos em que Pieces of a Woman encontra a tal ressonância entre as partes, e isso se dá, naturalmente, quando se foca nas mulheres. Além de Martha, sua mãe, Elizabeth (Ellen Burstyn), também possui uma história de dor e sofrimento relacionada a maternidade, embora em contexto radicalmente diferente, mas uma ponte entre ela e sua filha é criada. Assim como o momento entre a protagonista e a parteira no julgamento, onde as duas mulheres encontram um caminho para sair daquela situação tão difícil. O longa reconhece a importância desses acontecimentos, não é à toa que a grande resolução emocional é mais entre Martha e sua família do que com seu marido, que desaparece sem deixar rastros. Uma pena que isso aconteça de modo tão esparso, e o impacto desse tema tão importante seja reduzido.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *