Crítica – Pobres Criaturas
Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o sociólogo alemão Max Weber desenvolve a ideia do moralismo e da ética cristã em nossa sociedade através do desenvolvimento do capitalismo. Dessa forma, é como se houvesse uma coinfluência entre a religião e o dinheiro. Em certa parte, o autor demonstra como o capitalismo, ao reafirmar o individualismo, tranforma todo o trabalho e descobertas como um fim em si mesmo. Resumindo, todas as sociedades com o aparecimento do capitalismo são, de alguma forma, moralizadas, extremamente influenciadas por uma ética religiosa.
A obra fundamental da sociologia pode se atrelar diretamente ao cinema do diretor grego Yorgos Lanthimos. Junto disso, há algo bem único que ele busca com seus personagens: a descoberta. Esse elemento é, normalmente, aquele que desperta o começo de suas histórias e as aflições e os problemas que os mesmos enfrentarão. Filmes como A Favorita, Dente Canino, O Sacrifício do Servo Sagrado, entre outros, retomam essa ideia de maneira recorrente. Todavia, neles há algo bem claro, como Weber alertara anteriormente. Enquanto buscam algo, precisam também se adequar ao que a sociedade propõe. Essa que pode ser modificada, dependendo do meio em que cada uma dessas figuras estão. Entretanto, todas vão bater de frente com a moralidade cristã.
Em Pobres Criaturas, o cineasta novamente remonta essa ideia. Aqui, a partir de uma história à lá Frankenstein. Nela, Bella Baxter (Emma Stone) se mata grávida, porém é trazida de volta a vida pelo doutor Godwin (Willem Dafoe), um homem que sofreu diversos experimentos no corpo por causa do pai. Entretanto, para dar sentido a essa nova vida, o homem utiliza o cérebro do bebê dentro do corpo na mulher, a fazendo retornar como um recém-nascido, descobrindo o mundo do zero. Para ajudar nas observações, o cientista chama um de seus alunos Max McCandles (Ramy Youssef), que acaba ficando apaixonado pela criatura.
Como dito anteriormente, o cinema de Lanthimos é, realmente, de pessoas buscando afrontar perspectivas. Isso está desde a primeira cena. Entretanto, diferente do que se pode imaginar, Bella realmente começa a descobrir o mundo no momento que se entende como mulher. E essa descoberta não é feita através de uma forma mais pura, e sim pelo prazer sexual na vagina. Quando ela percebe essa possibilidade, também se torna alguém capaz de possuir mais desejos e possibilidades. Não a toa, é o momento em que o filme deixa isso mais descaradamente ao sair do preto e branco e abraçar o colorido.
Essa questão é importante já que Pobres Criaturas é um longa não apenas sobre descoberta, mas também sobre maravilhamento. Em Platão, um jovem fica extremamente admirado e perplexo ao entender um ensinamento de Sócrates. A partir disso, ele entende que a filosofia é a experiência da admiração. É um pouco disso que a trajetória de Bella passa a ser. As lentes grande angulares e os famosos “olho de peixe” usados pela câmera do diretor inicialmente – causando uma ideia quase de um mundo estranho -, dão espaço para ângulos mais abertos um embelezamento visual dos cenários, que agora são parte pulsante das múltiplas sensações de estar viva.
Sensações essas que passam desde de seu lado mais primitivo, através do sexo de variadas formas, até um caráter mais reflexivo, quando ela entende a possibilidade da felicidade. Aliás, mais do que isso, quando compreende de que forma o livre arbítrio se relaciona com si mesma. Até mesmo por isso, a direção busca cada vez mais esse papel de acompanhar esse novo mundo, através de planos longos ou sequência em que ela apenas anda pela cidade, ou até mesmo se distrai com algo novo.
Junto a isso, Yorgos Lanthimos faz desse seu universo algo extremamente artificial. O caráter onírico das escadas, vielas, pessoas e objetos trazem esse papel. Quando Bella chega a Lisboa, por exemplo, vê um teleférico quase de uma forma distópica. Ou quando está em um barco e, ao parar em um restaurante, vê uma espécie de mundo paralelo dos pobres. Em certo sentido, soa como uma obra neovanguardista, abarcando elementos bem clássicos do expressionismo alemão e surrealismo. Até mesmo essa construção estética também remete a filmes como Metrópolis (1927) e Fausto (1926).
Talvez o maior problema de Pobres Criaturas seja querer ser tão esperta com o público a ponto de soar até mesmo direta. Ao abraçar o elemento filosófico como parte direta da narrativa, quando Bella lê um livro, ou ao tecer os comentários recorrentes sobre a moralidade da sociedade – algo que aparece recorrentemente na interação da protagonista com Duncan Weddenburn (Mark Ruffalo), um aristocrata que tem desejos por ela. Parece bem claro como o diretor quer deixar todos os elementos bem descarados, afim deles não serem perdidos de maneira alguma.
É quando quer brincar com as sutilezas dos próprios temas que Pobres Criaturas consegue se tornar um filme ainda mais potente. No fim das contas, é o diretor voltando para suas dores narrativas, abordando a descoberta do mundo por parte de sua personagens, seus horrores e maravilhas, seus medos e possibilidades. Ao mesmo tempo, que precisa enfrentar um universo da moral cristã por toda a parte. Precisa se relacionar diretamente com a ética protestante e aprender a entendê-la. Mas, no fim, irá apenas bater de frente com a mesma.
Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023