Resenha – A Casa Holandesa (Ann Patchett)

Logo após o pai se tornar rico, Danny e Maeve viveram em uma casa confortável, grande e espaçosa por toda a vida. Ali, construíram suas relações para crescimento no âmbito pessoal, além de conseguirem se desvenchilar de uma realidade comum, de possível abandono e pobreza. Tudo graças bastante ao investimento do pai de ambos, Cyril, dentro do mercado imobiliário. Tudo muda um pouco quando a mãe deles resolve ir embora e, um tempo depois, o pai arruma uma namorada. A situação poderia ser tranquila, porém os problemas quando começam a acontecer quando essa nova mulher quer tomar o controle da casa holandesa, a qual moraram toda a vida.

Acompanhamos nessa jornada de A Casa Holandesa uma trajetória sobre a memória. Acima de tudo, é isso que a autora multipremiada Ann Patchett tenta abarcar com sua narrativa sobre a a história de uma casa e a relação dela na vida de dois jovens. Afinal, a memória é construída por duas razões bem específicas: lugares e pessoas. É a partir delas que lembramos de momentos da nossa vida, assim como temos nostalgia de viver em sociedade, especialmente desse tempo que passou. E é isso que verdadeiramente acontece com Danny e Maeve. O problema é que ambos crescem e se vêem totalmente deixados de lado. Até que ponto essa nova mulher não tem só mais interesses para com o pai?

É curioso como Patchett toma bastante tempo nessa narrativa em primeira pessoa de Danny. O seu olhar, sendo o irmão mais novo, é sempre bastante virgem sobre essa realidade. Em determinados momentos, é possível ver como ele chega a desconfiar que certas coisas podem acontecer, mas nunca sabe de verdade. Além disso, o fato de estar bem mais novo também convoca uma característica de esnobar ele sobre assuntos mais pertinentes. O afago dentro da sua vida sempre foi a irmã. Ela que viu as mudanças ocorrerem já sob uma perspectiva mais adulta, chegando a ter ido para faculdade. Aqueles memórias, o passado construído dentro da residência começa a se tornar cada vez mais distante, ao ponto que a maneira que eles conheciam o local, vai mudando também.

Acima de tudo, acompanhamos um estudo sobre esses dois personagens e seus diferentes olhares sobre o que vem pela frente na vida deles. A casa holandesa existe por si só, e poderia facilmente ser abandonada depois de um tempo que ambos percebessem que não iriam conseguir mais nada ali. Contudo, a insistência encontra-se muito mais na memória de uma vida, e das lembranlças desse lugar que não existe mais. É como se, ao passarmos em frente a algum lugar que tínhamos lembrança quando criança, o víssemos completamente diferete. Existe sim uma sensação de desespero, que o mundo não parece mais o mesmo. No entanto, temos apenas que aceitar essa nova fase.

Tudo isso chega a lembrar bastante os escritos de Jacqueline Woodson em Um Outro Brooklyn (que falamos sobre aqui). Porém, enquanto lá há uma pespectiva racializada dessa situação e também do aspecto dessa ambientação do bairro, aqui isso está restrito para uma casa. Para as lembranças centralizadas em apenas um único espaço – seja ele qual for. É como se, a todo instante, A Casa Holandesa tentasse olhar para Danny sempre como um ser incompleto, necessitado de toda essa vida que não existe mais. Banhado ainda sobre uma outra realidade e de uma outra vida.

E isso tira a trama dessa perspectiva mais especulativa desses personagens para trazer realidades fortes conforme chega ao fim. Em um dos capítulos finais, a qual tem um determinado acontecimento com Maeve, tudo não parece que chegará até um final feliz imaginado pelos protagonistas durante muito tempo. A realidade bate na porta, assim como a nova maneira de se observar o mundo que passa com o tempo. Os séculos que o livro contempla da vida e arredores dos dois faz com que tenha muito sentido entendê-los por completo, como se estivessem vivendo em um eterno limbo.

Dentro desse jogo sobre memória, é impossível termos uma clareza sobre tudo em nossas vidas. Os personagens de A Casa Holandesa até tentam ser alguém para com o futuro, mas estão cada vez mais próximos do passado. Apesar desse sentimento de buscar algo novo, é interessante a repetição da cena dos dois sempre retornando na casa, apenas para observar. É realmente como se Ann Patchett estivesse deixando claro que existe algo ali ainda para eles. O problema é que eles não podem alcançar mais. E que, agora, a realidade começa a bater na porta.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *