Crítica – Priscilla

A carreira de Elvis Presley é marcada por pontos extremamente conturbados e polêmicas que o rodearam ao longo dos anos. E isso tanto no quesito artístico, quanto no pessoal. E entre esses momentos dele enquanto pessoa física que mais geram discussões e embates até os dias atuais está o relacionamento com Priscilla Ann Beaulieu, conhecida hoje pelo nome de Priscilla Presley. Ela foi a única esposa do cantor e mãe de Lisa Marie Presley, única filha que o astro do rock também teve. No entanto, tudo que rondou a relação dos dois e é alvo de confrontos se deve ao fato de que, quando começaram a namorar, Elvis tinha 24 anos, e Priscilla apenas 14.

Por isso mesmo, adaptar uma história e trama tão complexa quanto essa exigiria uma espécie de coragem para compreender pontos e visões. Sofia Coppola constrói em Priscilla muito menos uma trama julgadora, de início, sobre essa relação entre os dois. A forma como o namoro começa não é problematizada de forma alguma, apesar de como ele foi acontecendo ser. Todavia, para a diretora, há uma questão mais importante no fundo disso tudo: entender uma espécie de espírito do tempo da juventude feminina nos anos 1950 e 1960. Consolidando sua personagem como mais uma das diversas garotas apaixonadas por Elvis e doida para transar com ele, a direção vai afundo para tentar compreender um zeigest sobre a sexualidade feminina.

Cena de Priscilla

Não a toa, Coppola gosta de brincar com esses tabus e a moralidade ao longo do tempo. Torna a primeira conexão deles tão natural a ponto dos pais autorizarem. Da mesma forma, encena tudo extremamente colorido, como uma espécie de sonho que estivesse se tornando realidade. No entanto, esse mundo lúdico ganha cada vez mais brutalidade com o desenvolvimento da relação, dando espaço para as cores mais fortes e menos quentes – o preto e cinza são quase uma totalidade dentro da casa de Elvis (Jacob Elordi). A diretora coloca esses ambientes quase sempre como opressivos, assim como vai se transformando a conexão do casal.

Se, do começo, é Priscilla quem parece ter receio de absolutamente qualquer toque perante o astro da música popular (a primeira cena em que eles estão juntos dentro do quarto mostram bem isso), aos poucos é ela quem passa a ser uma figura ativa da relação. Cada vez mais sexualizada – algo que fica bem evidente em uma sequência na qual ela é fotograda pelo cantor com roupas sensuais -, Priscilla se torna uma figura que também necessita de tesão. Em uma época que qualquer forma de necessidade sexual das mulheres era reprimida, a protagonista aqui é alguém que busca ser cada vez mais ativa, quase assustando seu parceiro.

Junto disso, Priscilla é também um filme que explora essas mesmas sutilezas dentro de um caráter comportamental. Eternamente reprimida, e podendo apenas manifestar os desejos de portas fechadas, a personagem, interpretada aqui por Cailee Spaeny desde a fase jovem até adulta, precisa conviver com as poucas possibilidade de opinião. Desde quando escolhe uma roupa, até mesmo quando fala o que acha de uma música, ela é colocada contra a parede. Eis a grande contradição de um espírito da juventude feminina no período, enquanto seres ativos perante os múltiplos estímulos sexuais, na qual Elvis era uma representação maior, e eternamente subjulgadas.

Cena de Priscilla

Talvez por se atentar tanto como um filme teoria em alguns instantes, que Priscilla sofra um pouco ao contar essa história da personagem. Obviamente, ela é uma voz passiva e ativa, e a trama sabe consolidar muito bem esse aspecto. O problema é não saber lidar bem com a relação entre ela e Elvis ao fim de carreira, na qual as coisas soam apressadas demais. Soa quase como se o filme já tivesse contado o que tinha para defender, e restasse apenas a história realmente dessa figura. Nada que apague, entretanto, o brilho de uma narrativa sobre uma mulher que sofre um pouco de tudo e está apenas morrendo de tesão.

Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *