Crítica – Sob o Solo (HQ)

A descida de dois soldados – um ferido e o outro não – para um bunker, dão início para a trajetória de Sob o Solo, nova HQ de Bianca Pinheiro e Greg Stella. A 0bra, lançada pela editora Pipoca e Nanquim, traz como base um cenário extremamente contido: as paredes desse lugar afastado de tudo e todos. Nesse quesito, há apenas certos elementos na qual são substanciais ali presentes. O rádio é o principal, a forma de comunicação que podem tirá-los dali. Cobertas ajudam no frio. Um feijão torna-se a única alimentação para ambos. E, o pior de tudo, o rato está trancado com eles, representando esse estágio péssimo aonde estão.

Nesse quesito, a narrativa passa uma mistura de claustrofobia e liberdade. Até que ponto os conflitos fora desse bunker, dito pelos personagens, não seria um lugar pior de estar? Essa dualidade causa uma certa brincadeira na cabeça do leitor. Esse, na qual busca quase instintivamente decifrar o caminho que esses seres irão percorrer. A fragilidade de ficar trancafiado, no entanto, causa as mais diversas perturbações. Não existe um caminho trilhado claro para os protagonistas. Eles estão constantemente ameaçados pela própria existência. Ameaçados do buraco que se meteram.

Por isso tudo, o trabalho na arte ser apenas com “palitos” humanos. A importância desse pequeno elemento reflete nessa magnitude infíma da espécie humana, sempre trilhada a estar enclausurada. Sempre estamos vivendo as mesmas guerras, os mesmos conflitos geracionais, as mesmas questões políticas, para, no fim, estarmos presos em uma mesma condição. Os soldados, sem rosto, podendo representar qualquer um, são figuras sem um passado claro e nem um futuro que possa realmente acontecer. Quando vemos a figura de um desses homens mais próximos (em uma cena quase sufocante e tão emocionante quanto), observa-se a fragilidade do olhar jovem. O peso das consequências de uma batalha, em que serão apenas sentidas futuramente. Ele parece, em seu olhar, não refletir sobre nada, apenas tentar entender sua relação com o outro soldado.

Além dessa cena do rosto, vemos outra sequência das mãos do mesmo personagem. O reforçamento dessa fragilidade mostra bem como ele é um ser sem um propósito. Aliás, a cena de seu contato com o rádio é a consolidação de um mal estar de existência, algo quase como Sigmund Freud pensaria. A relação psicológica desses seres vai sendo colocada aos poucos, quase como se a confusão mental fosse instaurada a cada novo passo. A cada nova situação ou acontecimento, ele caminha em direção a loucura. Seria o solo uma espécie de limiar entre a vida e a morte? Isso visto que morremos sob ele.

Esses traços surrealistas vão ganhando cada vez novas dimensões. Seria toda a parte do meio para o fim verdade ou mentira? O que é sonho e o que é realidade nessa circunstância? Seria o sonho melhor que a vivência? Os questionamentos trazidos por Bianca e Greg não são poucos para personagens amplamente complexos, mesmo sem entendermos o porquê. Eles representam sofrimentos próprios, buscando aceitações. Nesse lado, há uma possibilidade de leitura até para a depressão. Não apenas em um estágio físico (a depressão do soldado), porém também psicológica (como ele lida com si mesmo naquilo tudo).

Toda a proposta temática de Sob o Solo baseia na relação psicológica humana. Estamos a carga de uma história sobre seres quase se autrodestruindo por um processo conflituoso como a guerra, algo que é natural da espécie. Não que seja de bom, de forma alguma, porém ela faz parte de um imaginário psicológico próprio. E se estivéssemos aceitando simplesmente a morte? Como sobreviver com quaisquer fatos ou possibilidades. Os personagens dessa história simplesmente aceitam como condição uma busca pela realidade. Mas, ao fim, estariam eles vivendo apenas uma mentira? Estariam eles de mãos dadas com a morte? Bom, essas perguntas talvez sejam respondidas apenas embaixo da terra.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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