Critica – Speak no Evil
Speak no Evil começa no marasmo, no paraíso. É nesse ambiente de aparente tranquilidade e no meio de um período de férias que uma família da Dinamarca é chamada para visitar a casa de uma família holandesa, que conheceu durante o período de descanso. E isso para passar apenas um fim de semana em uma casa meio isolada do mundo. O que era para ser algo aparentemente tranquilo e uma paz absoluta começa a se transformar aos poucos, especialmente pelas estranhas formas como o casal da Holanda se comporta perante a situações corriqueiras, o que gera um distanciamento imediato.
A direção de Christian Tafdrup aposta em um claro elemento de educação para ir desconstruíndo os personagens. Inicialmente, todos parecem se dar bem, especialmente os filhos de ambos os casais. Contudo, os dinamarqueses começam a estranhar certas atitudes em qualquer momento do casal anfitrião. Por exemplo, em um simples jantar dos quatro, os donos da casa começam a se enroscar e quase fazer sexo no meio da sala. Além disso, uma dança começa a se transformar em algo impositivo para as crianças. Só que o filme não traz tudo isso logo de cara, prefere deixar como um mal estar para o público ir digerindo os acontecimentos.
Isso é reforçado pelo fato do verdadeiro terror da narrativa começar apenas no terceiro ato, no qual a grande epopeia de eventos se inicia. Anteriormente, é muito mais importante para Speak no Evil não deixar a paz reinar em ambiente algum. É até curioso a forma como o diretor trabalha isso em um aspecto mais social, como se os holandeses fossem menos “educados”, e não propriamente dentro uma tensão eminente. A mudança decorre de forma drástica, logo após uma tentativa de fuga dos visitantes ao estranharem todo esse comportamento frequente e em chamarem a filha do casal para dormir com eles.
Nesse sentido, chama muita atenção a personalidade de Patrick (Fedja van Huêt), o dono do estabelecimento. Ele começa como alguém extremamente divertido e capaz de brincar com todos, mas vai trazendo cada vez mais características sombrias que não sabemos para onde pode levar. Por exemplo, todo o momento em que ele descobre da fuga são elevados de uma seriedade não abertamente abordada, porém colocada corporalmente, como a forma que ele se porta totalmente ereto. Isso constrasta inteiramente ao jeito de andar quando está “livre”, como em uma das cenas com Bjorn (Morten Burian).
Mas talvez o maior problema do longa seja apostar demais em seus elementos mais conflituosos ao longo de todo o desenrolar dos acontecimentos e não trazer espaço para uma tensão inerente dos fatos. Desse jeito, toda a forma que o terror é estabelecido acontece menos pela própria produção querer e mais pelo comportamento dos personagens. Tafdrup, aliás, parece quase nem se importar com o suspense da história, mais interessado nesse jogo de hospitalidades e jeitos de cada uma das culturas.
Speak no Evil até consegue ter um início curioso e intrigante e um final mais avassalador, e até meio pesado. Todavia, parece verdadeiramente esquecer de como gerar a conexão entre o bloco do drama de estranhamento familiar e um horror gore. E, nesse meio do caminho, as resoluções ficam até bem perdidas, junto com os protagonistas. Pouco vemos, por exemplo, de uma dinâmica de cada um dos casais consigo mesmo. Além disso, os dinamarqueses ficam em uma limiar de confusão e estranhamento. Sem saber para qual caminho ir, talvez Christian Tafdrup deveria ter pensado em apenas um filme para se fazer.
Texto para nossa cobertura do Festival de Sundance 2022