Crítica – Um Animal Amarelo

Um ponto indiscutível sobre Um Animal Amarelo é que, ao final dele, há uma sensação de fim de jornada. É um filme que apresenta muitas coisas, vai para muitos lugares, e está sempre com uma roupagem diferente: nada do seu ponto de partida entrega o que virá a frente. Quando tudo se conclui, há presente um certo cansaço, assim como toda viagem longa, mas existem diferentes tipos de cansaço, já que existe aquele em que há certa satisfação envolvida, e também outros em que há somente a necessidade de descansar, que é onde, ao meu ver, o longa de Felipe Bragança se encontra.

Um Animal Amarelo se define, logo após seu letreiro título, como “um filme brasileiro”, afirmação um tanto complexa, como ele irá demonstrar ao longo da narrativa, muito interessada nos pecados originais do Brasil. E isso vai desde o violento processo colonizador e, é claro, a escravidão, que é parte intrínseca da nossa construção enquanto país. Um país de “sequestros e estupros”, como faz questão de lembrar a narradora em português de Portugal.

Há uma certa expressão de culpa de ser uma pessoa que se beneficiou disso no protagonista do longa, Fernando (Higor Campagnaro), um cineasta branco que herdou algumas coisas de seu falecido avô. Entre elas está um fêmur que fala em dialetos africanos e uma espécie de “aparição”, um ser coberto de pelos que o acompanha durante alguns pontos da vida, o tal “animal amarelo” do título.

Um Animal Amarelo adota uma estrutura de capítulos. Aqui, quero destacar o primeiro deles, chamado de “Fantasmas Coloniais”, onde Fernando ainda está para nascer, e o foco é em Sebastião (Herson Capri), avô do protagonista, e em seu parceiro, Juliano (Matheus Macena). É nessa introdução que o filme constrói sua melhor atmosfera, o aproximando do realismo mágico, com certo tom de conto de fadas. Há uma exploração mística de certos elementos, como o tal osso, que o personagem de Capri escuta atentamente, combinadas com elementos concretos, físicos como a atividade extrativista empregada pelos dois, em busca de riquezas na pedreira que circunda o casebre dos dois.

Em certo momento, Sebastião precisa partir para o Rio de Janeiro, por motivos familiares, o diálogo dele com seu namorado há um quê de fantástico, com o mais velho o avisando dos diversos perigos que rodeiam aquele lugar, como em um conto dos irmãos Grimm, onde uma figura mais velha avisa dos perigos que a floresta escura esconde. Há certo lirismo nessa conversa, em que coisas simples são ditas de modo um pouco mais poético.

Passada essa parte, Um Animal Amarelo parece abandonar um pouco essa aura do realismo mágico em favor de algo…bem, na falta de uma palavra melhor, esquisito, e também um tanto sem foco. É visível que Felipe Bragança, que também roteirizou o filme, possui muitas angústias, muito a dizer, mas não encontra as melhores maneiras de expressá-las.

A partir do segundo capítulo, o filme se entrega a um fluxo errático de acontecimentos, onde muitas coisas são abordadas, é verdade, mas sem muita direção. Vamos explorar as dificuldades de Fernando com sua atividade como cineasta, para uma viagem a Moçambique, onde ele se torna uma espécie de empregado de contrabandistas de pedras preciosas. Situação essa que possui um certo discurso de “desculpa por ser branco” diante da subserviência do protagonista com estes personagens, que é um tanto patético, até ele a conhecer uma mulher cujo o clitóris (!) é incrustado com uma rubi (!!) que brilha com certa intensidade quando revelado.

Como disse, são muitas coisas que acontecem de forma pouco coesa. A variedade de eventos e o tratamento dado a elas, que mescla animação stop-motion em certas cenas, certamente possui seu charme, visto que o filme não tem medo de ser, novamente, esquisito. Há de se admirar o ímpeto de Um Animal Amarelo em ser profundamente  idiossincrático, mesmo que o fruto disso seja um tanto confuso e cansativo.

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