Resenha – Pele de Homem (HQ)
Pele de Homem pode ser realmente definido como um quadrinho complexa. É uma obra que se utiliza e reverbera da ideia das amarras sociais, para poder trazer uma discussão em cima desses mesmos temas. Só que não faz isso de forma fácil ou até direta, e sim extremamente complexificada pela maneira que a trama e os acontecimentos fazem parte desse mundo – assim como o nosso, até os dias de hoje. Dentro da HQ, acompanhamos a trajetória de Bianca, uma mulher e jovem que acaba sendo colocada para se casar com Giovanni, um rico comerciante. Todavia, ela não quer isso e se vê mal ao ter que virar esposa de um homem que nem mesmo conhece. Só que uma coisa muda toda a situação: ela acaba descobrindo um segredo antigo da família em que as mulheres colocavam uma pele de homem para poder andar sem ser reconhecida. Dessa forma, ela começa a se apaixonar pelo marido, mas não como mulher.
O roteiro e concepção de Hubert se baseiam bastante em elementos do debate de gênero que estão presentes na nossa sociedade. Contudo, é curioso como, pelo fato da trama se passar na Itália Renascentista, os elementos e conceitos sobre sexualidade estejam pensados de forma extremamente diferentes para o período. Era um momento, de certa forma, liberal, em que diversas relações sexuais aconteciam de jeitos diferentes. Sendo assim, o autor consegue trabalhar bem como essas questões acabam sendo menos impostas aos homens e mais as mulheres. E, o simples fato de Bianca se “transformar” em um homem, já faz com que ela possua uma visão inteiramente nova de mundo.
E as rápidas transformações do universo de Pele de Homem é o que fazem ela ser uma HQ que consegue extrair tanto de uma certa simplicidade narrativa. É uma história de amor, por si só. Entretanto, também uma trama sobre dor, sexo e, até mesmo, sobrevivência. Como conseguir permanecer em um mundo em que não se é possível aceitar como somos? Ao mesmo tempo, é interessante que se coloca uma perspectiva da protagonista ser realmente subserviente ao marido – como acontecia. Porém, ela não é de forma inteiramente tradicional, mas sim na busca constante por o agradar e trazer felicidade.
Aliás, o tema da felicidade também está presente na obra. A busca por ela, das diversas maneiras, faz com que os seres humanos busquem uma eterna retroalimentação da dor. Desse jeito, os desenhos de Zanzim se tornam fundamentais para o desenrolar dos fatos. Eles não são apenas tracejos, mas sim dão o tom da forma como esse mundo se comporta. As opressões acontecem desde a maneira como os mais velhos falam com os mais novos, até mesmo nos simples passeios pelo castelo. A desenhista dá um grande destaque a isso, atrás de buscar quase uma gênese dos problemas que o quadrinho trabalha. Contudo, eles são sempre bastante abertos, nunca atrás de querer buscar respostas definitivas.
Sendo assim, Pele de Homem é uma HQ que busca confrontar uma época que parece cada vez mais presente hoje. Ao olhar para temas universais sobre pertencimento, amor e viver sobre outra pele (a metáfora de ter nascido uma pessoa e ser imposta para a sociedade em pertencer nisso, mas, na verdade, ser outra, traduz bem esse elemento principal) acabam sendo fundamentais para compreender uma espécie de andar do mundo. Hubert é até bastante otimista com o fim dos seus personagens, mas existe uma espécie de tracejo que deixa bem claro como aquilo está apenas acontecendo no mundo deles. Enquanto, ao redor, é como se o mundo pudesse acabar a todo instante. Entre o pessimismo e o otimismo, Pele de Homem parece estar mais atrás do realismo.