Crítica – Vidas Passadas

A vida é limitada. É uma verdade fácil de esquecer; não se pode ter tudo ao mesmo tempo. Uma escolha requer que algo seja deixado para trás, para que novas coisas possam surgir. Essas escolhas podem ser impostas, como uma mudança provocada pelos pais na infância, ou feitas conscientemente diante das prioridades na vida. Vidas Passadas é, em parte, sobre o peso de viver com essas decisões, entre contentar-se com o que é possível no presente e lamentar as possibilidades que se fecharam no caminho.

Nora (Greta Lee), anteriormente conhecida como Na Young, após mudar para os Estados Unidos aos 12 anos, tem a vida que deseja. Ela é uma dramaturga que mora em Nova Iorque, casada há mais de 20 anos com Arthur (John Magaro), também escritor. O passado se faz presente na forma de Hae Sung (Teo Yoo), amigo de infância de Nora, que está indo visitá-la nos Estados Unidos. Os sentimentos entre os dois sempre foram profundos; ele a descreve como “meu primeiro amor”, e ela, quando criança, afirma que gostaria de casar com ele.

Cena do filme Vidas Passadas

Desde o início, a diretora estreante Celine Song se preocupa em transmitir a ideia de vidas que se desencontraram por meio de imagens, como uma estátua de dois rostos prestes a se tocar, mas o encontro é interrompido por uma árvore, ou a cena onde o par, na fase infantil, segue caminhos distintos no retorno para casa. Chega a beirar o didatismo, especialmente diante do conceito budista de “In yun”, apresentado diversas vezes ao longo da narrativa, que brinca com a ideia de vidas que vão se encontrando em diversas encarnações, construindo laços ao longo dessas novas vivências.

Esse reencontro, no entanto, não é arrebatador, um elemento que desestabiliza a relação de Nora e Arthur. Vidas Passadas não está interessado num melodrama à lá As Pontes de Madison, onde o amor não vivido plenamente, por circunstâncias alheias ao casal Eastwood e Streep, traz consigo discussões e lânguidos olhares durante uma chuva torrencial. Song prefere uma abordagem mais sutil, de um abraço um pouco mais apertado, um silêncio carregado enquanto se espera um Uber chegar.

Cena do filme Vidas Passadas

Mas essa sutileza acaba sendo um pouco fria também, quando a chegada de Hae Sung não provoca grandes temores na vida de Nora, nem de John. Todos lidam com a situação de modo muito maduro, beirando a idealização. John vê graça na situação, mesmo evidentemente se sentindo inseguro, e Nora nunca parece contemplar muito as possibilidades perdidas, afirmando, com certa frequência, que está muito feliz com as escolhas que fez. Há até mesmo espaço para a ideia dos Estados Unidos como o lugar para realizar os sonhos, pois, supostamente, “A Coreia é muito pequena” para os sonhos de Nora.

Nos minutos finais, Vidas Passadas flerta com outras emoções e sentimentos mais fortes, trazendo uma bem-vinda turbulência aos relacionamentos. No momento em que o trio principal está em um restaurante, o enquadramento exclui completamente John, enquanto o outro par conversa na língua materna, ou o choro final da protagonista, que finalmente traz à tona tudo o que estava guardado. É compreensível querer fugir dos clichês românticos, onde tudo se faz por amor, e buscar representações mais “saudáveis” de triângulos amorosos, mas a fuga do conflito se torna também uma fuga de sentimentos mais complexos que fazem parte da vida, mesmo daquelas mais confortáveis e tranquilas.

Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023

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