Love, Death & Robots e as possibilidades da animação e ficção-científica

A cada novo ano, o audiovisual proporciona novas maneiras de se observar a animação. Festivais, como o Anima Mundi, trazem essa diversidade estética em cada obra, propondo formatos diferenciados para consolidar uma relação mais clara entre a narrativa e o desenho. Dessa maneira, torna inevitável que determinados gêneros acabem se sobressaindo, principalmente pelo fato de seu orçamento poderem ser menores e a sua história poderem ser complexas ou com maiores experimentos. A primeira temporada de Love, Death & Robots parece exatamente uma espécie de festival proposto pela Netflix, em buscar quase uma essência da repartição entre ficção-científica e a animação.

Aqui somos apresentados a 18 episódios, cada um possuindo sua história completa e sendo trabalhadas em ideais de curtas, ou seja, no máximo tendo uma duração de 20 minutos. A criação de Tim Miller propõe uma abordagem bastante interessante ao partir do pressuposto de abrir mão de algo único, desfrutando assim dos mais diversos visuais, concepções e gêneros. Os trabalhos perpassam de um lado bem mais filosófico, uma trama que brinca com a ação, comédia extremamente direta, terror, viagem espacial, entre tantas outras coisas.

Existe uma soturnidade bastante presente aos episódios voltados as piadas. Neles, não há nada extremamente feliz ou uma graça pela própria graça em si. A conexão parece abordar bem mais uma proposta direta de encenação ao rir das possibilidades de mundo, possibilidades de acontecimentos tão bizarros com a humanidade a ponto de não nos vermos mais ali. Talvez “Os Três Robôs” e “Quando o Iogurte Assumiu o Controle” sejam referências mais diretas a esse ponto, tratando os humanos quase em um lado ridículos e elevando fatores a questões fora de um padrão, com os robôs, gatos e iogurte. Somos controlados com extrema facilidade e exterminados do mesmo jeito. As obras riem dessa apropriação de nos entendermos dentro de uma inteligência quase suprema, porém sem conseguir simplesmente sobreviver.

Experimentos visuais e narrativos também se tornam bem vindos aqui. “A Testemunha”, “Ajudinha” e “Noite de Pescaria” são importantes nesse quesito, buscando uma relação extremamente diferente na sua forma (as animações vão desde de uma conexão intrínseca ao videogame até uma abordagem quase surrealista de universo). Curioso é como todos esses episódios sabem muito bem acreditar e relacionar a construção de seus acontecimentos em associação a uma perspectiva de mundo. O primeiro citado talvez seja o que melhor consegue propor isso, ao fazer simplesmente uma trama de fuga eterna, ele transforma sempre as correrias em primeiro plano ou lateralmente, tratando de trazer essa dinâmica quase de controle de videogame. Já no segundo, existe uma forma de horror e drama, trazendo elementos de um terror no próprio corpo (como filmes de David Cronenberg), mas se promovendo fortemente na sua dramaticidade.

Apesar disso, alguns curtas acabam fugindo um pouco da proposta e não se relacionam tão bem com toda a idealização escolhida pela generalidade do universo. Em relação a esse ponto, “13, número da sorte”, “Boa Caçada” e “Metamorfos” são os mais relacionáveis. O primeiro por possuir uma questão muito mais armamentista e militar, podendo até rememorar obras de ficção-científica com naves da literatura – até o livro Guerra do Velho -, todavia sem saber como articular isso diretamente com essa proposição fantástica. Já os outros dois possuem temáticas bem mais diretas, inclusive esse último se mostrando bastante interessante ao explorar uma capacidade de melhor desenvolvimento. Contudo, tudo soa bem mais superficial. O universo é composto, mostrado, mas sempre deixado um pouco de lado. Não existe uma coerência tão clara e relacionável ao apresentado anteriormente e posteriormente.

A primeira temporada de Love, Death & Robots sabe muito bem como construir concepções próprias e buscar ir um pouco fora da caixinha dentro do processo de animação, além de sua relação com os mais diversos gêneros. Apesar de alguns deslizes em termos de uma correlação geral, existe uma unidade bem clara composta por um realismo quase traumático dos mundo, seja pela veia cômica ou dramática. Existe uma rememoração de uma composição quase corrosiva da humanidade, na qual somos culpados a todo instante e realizamos ações fora de algo bom para todos. Nesse preceito, parece possuir elementos bem concretos de The Twlight Zone e Black Mirror (ainda mais por se diferenciar entre episódios), mesmo assim parecendo apenas algo menos trabalhado no meio de tudo isso. Se valeu a pena arriscar, vale também trabalhar melhor cada uma de suas histórias.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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