Mitski chega ao Rio comprovando sua força além dos trends
A cantora nipo-americana Mitski, nome artístico de Mitski Miyawaki, já tem uma ampla carreira de uma década de duração. Presente na bolha da música independente com forte atuação desde sua estreia ainda como estudante de música, a cantora presenciou, depois de dez anos sólidos de estrada, um boom que apenas os novos algoritmos de “arrasta pra cima” podem proporcionar: o sucesso repentino em formato de corrente, muito famoso especialmente com o público adolescente. Sua reação foi atípica, mas muito positiva. Seu show no Rio é a prova disso.
Em uma já gloriosa primeira recepção como headliner advinda do festival Primavera Sound São Paulo dois dias antes, Mitski chegou nessa segunda-feira (07/11) ao bem mais contido palco do Sacadura 154, localizando no pequeno bairro cultural da Saúde, com sua timidez descontraída visivelmente afetada pela já calorosa energia da plateia anterior. Apesar de contida, a cantora não se faz fechada, cativando seu abrangente público adotando um estilo mais performático de dança entre as músicas, postura adotada pela mesma desde o lançamento de seu penúltimo álbum de estúdio, Be The Cowboy, responsável por seu boom na mídia mainstream.
Temas de amadurecimento, solidão, revolta e rejeição (principalmente amorosas) são constantes progressivos desde sua estreia com 21 anos, e Mitski, em resposta a sua ascensão, decidiu optar por uma vida social mais reclusa. Apenas com o anúncio de seu último álbum, Laurel Hell, voltou a ter pequena participação em redes, mas ainda bem mais restrita. O amadurecimento é reflexo claro da artista não só em suas performances, mas em seu conteúdo: em efeito TikTok, alcançou um público bem mais jovem e, em contrapartida, achou em sua nova fase uma recepção fiel tanto de seu público antigo quanto do novo. Seus temas não se destoam e sim se acrescentam, mostrando seu poder de escolha uma das músicas de abertura “I Will”, uma balada de seu álbum bem mais sônico Bury Me at the Make Out Creek, de 2014, cantado em uníssono pela plateia.
A mistura de eras foi pontual e sucinta, levantando o público carioca com já clássicos “I Bet On Losing Dogs”, revocando a dançante trendiosa “Washing Machine Heart”, e singles mais recentes e performáticos como “The Only Heartbreaker”. “Francis Forever” marca uma grande presença no entorno, sendo a primeira música a dar a cantora as raízes de seu sucesso maior que viria depois, com a canção sendo tema de um dos episódios de Hora de Aventura, animação com base de fãs de faixas etárias diversas, interpretada pela personagem Marceline.
É visível a grandeza de Mitski. Anteriormente com fortes gritos ao som de um baixo sempre oscilante até as atuais reencarnações de afeto, desafeto e compreensão em seus movimentos solo, a cantora não se desamarra de suas raízes mais rockistas, e ao mesmo tempo incorpora, como em sua popular balada “Nobody” na segunda parte do set, sua maneira reflexiva artisticamente pop envolvidas de referências de uma mulher que ultrapassou seus 30 anos e hoje, pela primeira vez no Brasil, harmoniza a dimensão de seu sucesso com o público que cresceu e – composto em peso por menores de idade – está nesse momento crescendo junto a ela.
Quase perto do final, a bandeira LGBT é aceita como presente e “A Pearl” foi a escolha para esse fechamento de ciclo que hoje pavimenta em especial as mulheres e as minorias, parte expressiva de seu público. Se mostrando muito além das piadas sobre saúde mental e corações quebrados na qual é constantemente alvo, Mitski reflete a consciência do carinho da representatividade, e com risadas tímidas e agradecimentos, finalizou um show de muito acalanto por parte do público e para qualquer uma solitária alma se acolha com a música. E com promessa de volta. Cobraremos!