O cancelamento de Mozart in the Jungle e o questionamento que ele deixa
É inegável que é possível encontrar programas de todos os tipos na televisão atualmente.
Nos últimos anos, a variedade de conteúdo em séries de TV e minisséries se mostra cada vez maior. Independente do gênero, há muitas grandes produções sendo feitas, produções que desafiam, emocionam e conquistam o espectador. Sendo uma comédia de 30 minutos ou um drama de cinco horas, grandes produções saem do plano esperado, quebram expectativas e barreiras e nos encantam de tal maneira que assistimos temporadas inteiras sem perceber.
Mozart in the Jungle era uma dessas.
Baseada no livro de Blair Tindall, uma memória narrando sua experiência como uma musicista na orquestra sinfônica de Nova York, a série era estrelada por Lola Kirke e Gael Garcia Bernal. Hailey (Kirke) é uma tocadora de oboé que busca uma oportunidade de mostrar seu talento, enquanto Rodrigo (Garcia Bernal) é um jovem maestro que está no auge de sua popularidade e sucesso, escolhido para comandar a orquestra de Manhattan. É acompanhando a vida desses dois personagens, maravilhosamente interpretados, que seguimos durante quatro temporadas excelentes.
Até seu cancelamento no mês passado.
Produzida pela Amazon, a série foi sucesso de crítica, rendendo à Gael Garcia Bernal uma vitória no Globo de Ouro como Melhor Ator em Comédia ou Musical (no caso de Mozart, os dois). Todas as temporadas têm reviews calorosas, que destacam principalmente a direção, o roteiro e a atuação do elenco. Apesar de nunca ter conquistado grandes números de audiência, o público fiel e o sucesso de crítica parecia garantir que a série duraria o tempo que fosse preciso para contar sua história. Mas não foi bem assim.
Segundo a nova chefe da Amazon, Mozart foi cancelada “pois a emissora quer se desviar das séries de nicho e entregar projetos mais ambiciosos e de grande orçamento, que atraiam mais público, para trazer o novo “Game of Thrones”. Trata-se de uma grande e cruel ironia, considerando que esse é exatamente um dos grandes dilemas enfrentados pelos músicos da série.
Em diversos momentos, a orquestra era obrigada a trocar concertos de música clássica por eventos que tinham pouco ou nada a ver até com música em si. Certa ocasião, um show de bolhas era a maior arrecadação de renda da casa.
É possível ver, portanto, que no mundo real as coisas não são diferentes. Uma abordagem mais simples, íntima e apaixonada sobre música talvez não seja um imã para grandes audiências, mas com certeza é uma experiência única e (por que não?) divertidíssima de se acompanhar. Além de tudo, perdoem-me se isso soar cafona, uma grande inspiração para quem busca realizar seus sonhos e viver através de sua paixão, seja ela a música clássica, a cozinha, o cinema, independente de qual forma, a arte em si. Viver da arte é um desafio que pode ser doloroso, mas também não há recompensa igual quando faz-se o que se gosta. E em cada episódio peculiar de Mozart in the Jungle é possível ver a paixão que seus criadores deixaram na obra.
Mozart in the Jungle não foi a única comédia a ser cancelada pela Amazon. Outras sitcoms igualmente aclamadas foram cortadas após temporadas de sucesso. O questionamento que fica é: até que ponto vale sacrificar a arte pelo sucesso? Veja que não há nada de errado em produtos de grande escalão, esses produtos não são de menor qualidade por serem mais populares. Mas se a busca for somente por números e tamanho, facilmente será perdida a variedade presente na mídia.
Ainda há muita coisa a ser oferecida, muitas histórias a serem contadas. E o valor delas não deve ser cobrado pelo seu orçamento.
Enquanto não chega um futuro (possivelmente utópico) em que haja espaço para ambos os tipos de produções não chega, órfãos de produções como essa simplesmente ficarão de luto por um tempinho, esperando algo que seja tão apaixonante e especial tenha seu espaço ao holofote.
Pelo tempo que merece ou precisar.