Primeiras Impressões: His Dark Materials

Após o estrondoso sucesso de Harry Potter e suas adaptações cinematográficas, a fantasia infanto-juvenil dominou o mundo do entretenimento. Novas sagas eram lançadas, séries antigas de sucesso retornaram para o topo das listas dos mais vendidos e ocupavam também as salas de cinema. Todos os estúdios queriam ter seu próprio bruxinho (e a galinha dos ovos de ouro que viria junto). Entre os diversos materiais selecionados para ser a próxima saga de fantasia do momento, a trilogia “Fronteiras do Universo”, de Phillip Pullman, talvez tenha sido uma das mais azaradas.

A série, iniciada em 1995 com o primeiro livro intitulado “Northern Lights”, fala sobre um universo parecido com o nosso, dominado pela poderosa instituição teocrática Magisterium, onde as almas dos humanos tomam forma fora de seus corpos como dímons, espíritos animais que podem falar e ajudam e guiam seus companheiros. É nesse mundo que vive Lyra Belacqua, uma órfã que mora na faculdade Jordan, em Oxford, e vive seus dias desvendando os terrenos da universidade com seu melhor amigo Roger. Tudo muda quando Roger desaparece ao mesmo tempo em que o tio de Lyra, o poderoso Lorde Asriel, começa a atrair atenção do Magisterium por conduzir experimentos com uma substância misteriosa chamada “Pó”, algo considerado heresia pela igreja. Após entrar em contato com uma misteriosa bússola de ouro, chamada de aletiômetro, Lyra parte em uma jornada para resgatar seu melhor amigo e descobrir segredos de outros mundos além daquele que ela conhece.

Adaptado anteriormente para os cinemas por Chris Weitz em 2007, o longa contava com uma produção caprichada e um elenco mais ainda, com nomes como Nicole Kidman, Daniel Craig, Sam Elliott e Eva Green. No entanto, um tom lúdico em excesso e um abrandamento dos temas essenciais dos livros, como as críticas à igreja, acabaram prejudicando o resultado final. E ainda que o roteiro tenha sofrido adaptações para evitar tocar na ferida, o filme ainda sofreu boicotes e críticas de cristãos e da igreja católica. Dessa maneira, ficava cada vez mais improvável não só que uma sequência fosse ver a luz do dia, mas que todo o universo criado por Phillip Pullman algum dia fosse ganhar a adaptação que merecia.

Felizmente, o bem venceu e na segunda (4/11), estreou na HBO o primeiro episódio de “His Dark Materials”, título emprestado dos diversos nomes que a série de Phillip Pullman ganhou pelo mundo, mas este especialmente é mais utilizado no Reino Unido. Novamente, a história de legado se repete: o filme trazia consigo uma nova tentativa de ser “o próximo Harry Potter”, enquanto a adaptação televisiva, mesmo que em uma escala muito menor, traz a expectativa de ser “o novo Game of Thrones”. Após o fim do que foi uma das séries mais populares da década, trazer outra saga literária parece a maneira mais coerente de fazer sucesso, ainda que seja uma co-produção do canal britânico BBC.

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Quem marca a direção do primeiro episódio é Tom Hooper, cineasta famoso por obras como O Discurso do Rei, A Garota Dinamarquesa e Os Miseráveis. Com um estilo visual característicos, que não é livre de críticas, Hooper dá vida à Oxford de Lyra de uma maneira que consegue trazer magia e realismo, trazendo precisamente o clima que está presente nos livros. Não funciona só como adaptação, como um mundo novo próprio, original, bem construído e bem apresentado diante de um público que não conhece este universo ainda, mágico o suficiente para encantar mas sem esquecer as partes mais sombrias da história. Com enquadramentos que favorecem os cenários amplos, Hooper mostra que a temida decisão de colocá-lo na direção da série foi, de fato, muito acertada.

Pode-se dizer que a principal missão de um piloto, além de trazer a trama principal e os personagens (e nesse caso, o universo e sua mitologia) é atrair o espectador para que ele queira ver mais. O roteiro de Jack Thorne (responsável pelos 8 episódios desse primeiro ano) não tem pressa e nem deveria. Fica implícito que o riquíssimo universo de Pullman será apresentado com calma e profundidade, algo felizmente permitido pelo formato de televisão. Há explicação o suficiente para que o espectador compreenda o que está acontecendo, mas queira entender e saber mais. Um exemplo disso é o espaço dado aos Gípcios, seus líderes e seus costumes, e como eles lidam com o desaparecimento do pequeno Billy Costa, assim como o pequeno prólogo onde vemos o porquê de Lyra ser criada na universidade.

His Dark Materials chega, aparentemente, sem causar o barulho que merece. Talvez, conforme a temporada avance, isso mude. Mas é inegável que a produção não se contentou apenas com potencial e apresentou qualidade em todos os aspectos, deixando claro que ela não será “a próxima Game of Thrones”. Não só porque é injusto e diminutivo reduzir qualquer produção como derivativa de outra, mas sim porque é um material que traz discussões importantes de religião, moral, amizade e senso de identidade, sem se rotular como uma “fantasia para adultos”, trazendo esses elementos de maneira acessível para todas as idades. Tudo isso entrelaçado em um mundo fantástico que é um deleite de acompanhar. É algo muito maior e especial e que merece sua atenção.

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