Resenha – A Alma Perdida (Olga Tokarczuk)

Histórias infantis nem sempre precisam ser altamente bonitas, positivas e mais. Neil Gaiman que o diga, ao fazer Coraline, uma obra que trabalha os elementos fantásticos e de terror para consolidar uma narrativa que traz uma visão de moral, mas também busca um algo a mais. Inclusive, as próprias clássicas histórias dos Irmãos Grimm também podem ser pensadas nesse sentido, ainda mais pelo seu peso histórico que influenciou durante todo o século XX. Em A Alma Perdida, a escritora polonesa Olga Tokarczuk (que escreveu Sobre os Ossos dos Mortos, a qual escrevemos aqui), busca uma sensação similar. Ao contar uma trama sobre reflexões do tempo e a busca pelo futuro, traz elementos até de suspense, além de uma busca sobre a vida.

Nesse conto em formato de livro, vemos a trajetória de um homem que trabalhava demais e acabava nunca prestando atenção no tempo que passava na sua frente. Ele gostava até da vida, de como tinha seu dia a dia, no entanto acabou nunca sentindo como era viver realmente aproveitando tudo. A partir disso, a autora, junto da artista Joanna Concejo, reflete sobre como a vida passa diante de nossos olhos, mas acabamos nunca realmente aproveitando nada, perdendo o tempo em que estamos na Terra.

É interessante como a obra, apesar de bastante simples em seu contexto, tenta trazer um olhar bastante curioso na abordagem narrativa. As imagens de Concejo sempre refletem um caráter bastante trágico dessa existência sem realmente aproveitar. Vemos os personagens bastante distantes, além de preto e branco, como se colocasse um véu de tristeza dentro dessa ótica. O vazio também aparece em diversas situações, como em um banco vazio, por exemplo, ou um restaurante com poucas pessoas. Vale a pena realmente viver no meio disso? Há uma melancolia onipresente nesse universo, como se fosse inevitável essa tristeza.

No entanto, a partir do momento que há a “virada de chave” para os personagens do livro, em realmente acreditarem ser possível aproveitar o momento, a vida, tudo ganha mais contornos coloridos. É até curioso como existe uma correlação com o lado da natureza nos acontecimentos, que se tornam um elemento cada vez mais dinâmico para esses seres. É como se, através da cor desse mundo que estamos tampando, fosse possível buscar algo positivo, para além de tudo.

Mesmo assim, é impossível não comentar e lembrar que estamos falando de uma narrativa infantil. Nada em A Alma Perdida é buscado de forma extremamente complexa ou indo até algum ponto futuro. A ideia é realmente algo simples, direto, e sem pestanejar, uma famosa “lição de moral”. Aqui, ela é colocada diretamente para um entendimento sobre viver, e entender – especialmente – o motivo pelo qual vivemos. Em um mundo cada vez mais dominado pela pressa nas relações sociais, ainda mais em um período que podemos cada vez dar menos atenção a nossa família e a nós mesmos, é belíssimo e certeiro o trabalho que Olga Tokarczuk faz. Para ser possível, através disso, que uma nova geração olhe mais para o tempo a sua volta.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *