Resenha – De Cada Quinhentos uma Alma (Ana Paula Maia)

Ao longo de sua carreira como escritora, Ana Paula Maia sempre teve um verdadeiro interesse em trabalhar com uma mistura do oculto e misticismo com conceitos e interpretações sobre a carne, a natureza humana. Isso fez com que, em boa parte da sua literatura, pudessemos acompanhar o personagem Edgar Wilson, uma figura extremamente complexa que até mesmo a autora parece nunca reconhecer totalmente quem ele é. E isso se apresenta desde Carvão Animal até Enterre Seus Mortos, último livro publicado por ela, em 2018. Agora, Maia retoma alguns conceitos e perspectivas com Wilson, porém sobre uma outra realidade em vista na produção da literatura: a pandemia do coronavírus e como o Brasil está atualmente.

Dessa maneira, vemos em De Cada Quinhentos uma Alma uma obra que irá trabalhar dentro de um conceito sobre destruição. Acompanhamos o país em colapso e enfrenta uma espécie de mundo apocalíptico. Nessa realidade, alguns conflitos acontecem com grupos militares e até mesmo uma barbárie humana sem limites, com mortes para todos os lados. Edgar, então, se junta a Bronco Gil e ao ex-padre Tomás. Atrás de fugir do ambiente em que estão, eles encontram diversas complicações ao longo do caminho e precisam buscar, acima de tudo, sobreviver.

Se falamos anteriormente sobre esse lado mais místico da narrativa – e em como ele vai estar presente nos simbolismos que a artista busca trabalhar -, aqui essa questão se relaciona bem mais a forma como o mundo se encontra. Dessa maneira, o ocultismo aparece de um conceito mais curioso com a figura do padre, já que vive em uma dualidade, com uma fé inerente a ele e crença de que os humanos não poderiam estar fazendo isso, ao mesmo tempo que também está conectado com um entendimento de punição divina. Só que Maia parece bem mais interessada em um aspecto aventuresco da trama, trazendo quase um caminho de jogo de guerra, por exemplo, com os personagens sempre andando em diversos pontos e precisando enganar os militares.

O aspecto que realmente consolida narrativamente De Cada Quinhentos uma Alma é a construção de mundo. Se em outros trabalhos da própria escritora temos esse ponto como um elemento de entendimento de realidades, quase como se estivéssemos sendo transportados para um universo paralelo, aqui isso aparece literalmente na forma como esses locais e personagens são formatados. Suas relações extremamente formais, uma desesperança. Fica bem claro de que maneira a obra está conectada com nossos tempos atuais, já que parece quase um exercício de libertação de sobrevivência em mundo esquisito. Em certo lado, parece uma reflexão extremada sobre a dificuldade da vivência entre 2020 e 2021.

Mais do que isso, existe também um trabalho crítico ao observar algo como uma dominação do controle do estado com essa distopia que se apresenta. Assim, há um lugar no meio disso tudo que parece quase não existir, mas que, ao mesmo tempo, está totalmente conectado com esse controle. Dessa forma, literalmente os pontos de fuga desses “anti-heróis” (como diz a discrição do livro) é para pontos de complicação, de desespero.

Nessa quase lei de eterno retorno dentro de um mundo incontrolável, De Cada Quinhentos uma Alma é uma obra que não parece ter realmente um fim. Seus elementos internos, a forma como nos entendemos nesses personagens desesperados por algo novo, por uma busca nova, parece fazer sentido com toda a produção pensada por Ana Paula Maia. Mais do que realmente um suspense ou uma aventura, estamos lidando com um texto que vai atrás de um tracejo sobre, novamente, a carne, o que nos torna humanos. Acima de tudo, a autora parece não enxergar isso nunca com bons olhos, já que o pessimismo perdura em tudo aqui.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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