Crítica – Fruto da Memória

Assumo que fui acometido de um certo cansaço ao ver a palavra “pandemia” na sinopse do longa grego Fruto da Memória, não pela saturação do tema no audiovisual, mas sim por estar cansado de estar em uma. Não que eu esteja em busca de escapismo, já que filmes recentes, como Má Sorte no Sexo, adotou imagens tipicas da pandemia em sua narrativa sem que o filme fosse necessariamente sobre isso.

Mas a pandemia do longa dirigido por Christos Nikou, sua estreia na direção de longas, retrata uma pandemia bem diferente da nossa, uma de amnésia. Pessoas vivem suas vidas normalmente até que, subitamente, suas memórias desaparecem, e o processo é irreversível, já que ainda não foi encontrada cura. Uma das vítimas desse mal é Aris (Aris Servetalis), um homem solitário, que perde sua memória durante uma viagem de ônibus.

Há toda uma estrutura médica dedicada a atender esse tipo de caso, como pacientes sendo levados para um local seguro, onde são fotografados, catalogados e aguardam o resgate de algum familiar ou conhecido. Entretanto, ninguém vem resgatar Aris. “Pode ser que eles também tenham se esquecido, ou você não tinha ninguém mesmo”, diz uma médica para ele. Quando isso acontece, os amnésicos são colocados em um programa para criar uma nova identidade, e, portados de polaroids, devem fotografar momentos significativos, e toda noite recebem tarefas de um médico, como, por exemplo, irem em um bar flertar.

Paira sobre Fruto da Memória uma forte sensação de alienação, de deslocamento do seu protagonista, que parece sempre estar sendo engolido pelos espaços ao seu redor, enfatizando sua pequenez e solidão. A atuação de Servetalis serve muito bem a esse sentimento, sempre impassível, com uma expressão neutra no rosto. Há até um pouco de comédia quando essa estranheza é apontada para situações mais cotidianas, como Aris andando de bicicleta, algo comum feito esquisito por meio desses elementos.

Por meio da amnésia, o filme parece querer trazer esse novo olhar para as atividades comuns da vida humana, como, por exemplo, se apaixonar. Quando Aris conhece Anna (Sofia Georgovassili), uma mulher que está passando pelo mesmo processo. Algo parece se desenvolver entre os dois, porém uma dúvida paira no ar: é algo genuíno ou simplesmente mais uma tarefa a ser cumprida?

Essa dúvida, assim como outras, nunca é realmente explorada a fundo em Fruto da Memória, que até deixa o aspecto da amnésia para trás, e o possível romance perde muito com a frieza com que Nikou conduz a obra, é difícil se importar quando o filme vai para terrenos mais dramáticos, é um filme cercado de composições e personagens um tanto rígidos.

Pode até ser essa a intenção do filme, uma tese sobre como nossas memórias são o que nos torna humanos, e sem elas não somos nada mais do que sombras tateando o mundo com insegurança, mas faltou explorar um pouco mais esse aspecto, e se contenta, assim, em ser um filme engraçadinho com uma comédia morna.

Esse texto faz parte da nossa cobertura da Mostra de São Paulo 2021

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