Resenha – Meu Nome era Eileen (Ottessa Moshfegh)

A construção da personagem que dá título ao livro de Ottessa Moshfegh é a desconstrução. Pode parecer confuso e até meio irônico, mas é justamente esse caminho que a autora anda para desenvolver Eileen, uma protagonista complexa. Ela possui duas visões: uma social e outra amoral. Na primeira, é a forma como se porta para a sociedade, demonstrando querer ter um relacionamento amoroso, as pequenas amizades, a vida de trabalho e até a moradia com o pai. A outra é a visão pelo qual acompanhamos a narrativa, sempre sob seu olhar e pensamentos nos escritos. E é justamente nessa outra visão que toda a apatia social dela vira uma espécie de construção da psicopatia.

Meu Nome era Eileen trabalha nessas duas frentes nos escritos da protagonista em alguns bons anos no futuro. Ela rememora o dia em que saiu, na década de 1960, da Cidadezinha X, nos Estados Unidos. Um local como muitos de histórias americanas: meio inóspito, isolado e, acima de qualquer coisa, estranho. Em que famílias fingem a perfeição, mas são inteiramente desfuncionais. É o caso da de Eileen que, em pouquíssimos dias, decide realmente partir da terra em que nasceu para conseguir alguma coisa na vida. Mas a que custo?

Moshfegh demora a dar espaço para um lado do suspense, do thriller e, até mesmo, do gore. Durante quase 200 páginas, acompanhamos a narrativa de um adolescente/jovem crescendo sob confusão. Não sabemos bem o que ela parece querer da vida e, em certos instantes, alguns traços de uma anomalia perante o outro chegam a aparecer. Por exemplo, um deles está conectado com a paixonite de Eileen, em que ela não consegue ver ninguém perto desse garoto, mas para o qual ela não tem forças para falar. É justamente esse caráter meio bipolar que vai solidificando um enredo que está atrás de compreender a essência animalesca dela.

Por isso mesmo, é bem divertida a forma como a autora coloca toda essa complexidade nas palavras da personagem título. Nós não acompanhamos tudo sob uma ótica externa ou que está estudando essa mente. É tudo que sai dos próprios escritos, pensamentos e textos que ela faz cinquenta anos depois de ter deixado tudo para trás. Desse jeito, ao mesmo tempo que consegue gerar uma credibilidade no desenvolvimento dela, Ottessa também coloca o leitor como alguém cúmplice de algo ruim que irá acontecer em certo instante. Nunca sabemos muito bem o que e nem quando, porém é fato como o clima da obra gera uma ansiedade inerente.

Assim, tudo vira ainda mais estranho quando, em vez de assumir diretamente uma brutalidade dos acontecimentos, Meu Nome era Eileen foca mais em uma peculiaridade de um relacionamento que se construiu rapidamente para, após isso, desconstruir o que foi possível notar da protagonista nessa mesma situação. Novamente, a dualidade da apatia toma conta contra o lado social, que quer, em certos momentos, seguir algum padrão presente na vida desse pacato lugar. Assim, quando ela é convidada para uma festa de Natal, pensa que vai viver uma normalidade, só que isso nunca acontece de verdade.

Ottessa Moshfegh não é uma autora que compactua com a facilidade do contato do público com um livro. Esse incômodo está onipresente aqui, desde as primeiras palavras, que já consolidam toda a brincadeira de dois lados que veremos em todas as páginas. Contudo, Meu Nome era Eileenapesar de estranho, é uma obra que está sempre atrás de uma aparente suavidade de mundo. A própria forma de escrever da autora demonstra uma fuga para pontos de respiro sempre que a tensão prevalece. E é inteiramente esse elemento que faz o texto ser tão gigante e tão curioso de se ler até o fim – mesmo que inteiramente afetado por aquilo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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