Crítica – Doutor Gama

Conhecer a história de grandes ícones brasileiros é quase um trabalho de garimpo. Isso porque, em diversas ocasiões, acabamos valorizando muito mais as vidas estrangeiras do que as nossas próprias. E, com isso, essas figuras nacionais ganham um reconhecimento bem póstumo, quase sempre nos anos atuais e nunca uma elevação anterior temporalmente. Um desses casos foi do ativista para a abolição da escravidão, Luís Gama. Negro, ele nasceu livre, porém acabou se transformando em escravo. Contudo, a luta de Gama ao longo dos anos o fez se transformar em um dos primeiros intelectuais não brancos do Brasil. Sua importância passou de uma luta, para causar mudanças dentro das instituições – especialmente no jornalismo e no direito.

A história de Doutor Gama tenta trabalhar, através de lapsos temporais, a vida de Luís. É um trabalho que vai caminhando em cada um dos anos e constrói essa figura, a qual vemos com uma verdadeira força que tinha dentro do ato final. É ali que vemos sua atuação para além de uma luta ativista, mas que chega dentro do campo da defesa teorica das suas ideias. Jefferson De, entretanto, busca idealizar o personagem, trazendo até um certo didatismo, que é capaz de transcrever inicialmente quem é essa persona para o público.

É curios perceber como o filme traz uma narrativa que se preocupa em realmente destrinchar todos os meandros dele. Luís é visto na fragilidade, e também nos momentos fortes. Além disso, De traz um aspecto dramático para a trama, ao trazer toda a relação de laços familiares e amorosos que vão sendo colocados ao longo do tempo histórico. Dessa forma, é possível perceber que dois são os momentos verdadeiramente principais: a fase jovem (quando é interpretado por Angelo Fernandes), em que começamos a compreender como a luta se coloca corporalmente nele; e quando adulto (feito agora por César Mello).

Doutor Gama é um longa que peca por ser contraditório dentro da sua própria maneira de olhar para o protagonista. Sem dúvidas, se trata aqui de um estudo de personagem, de uma busca por olhar mais profundamente todos os pequenos traços de personalidade do intelectual. Contudo, também é uma obra que não desgarra em momento nenhum de um didatismo para poder explicar tudo. O último ato, que se transforma em um grande filme de tribunal, pouca explora, por exemplo, uma visualidade importante em todo o discurso que é trabalhado – como sempre o momento mais apoteótico de todos. Assim, a busca vira muito mais em deixar claro os aspectos jurídicos de toda a discussão e interpretações.

Mesmo assim, é impossível não destacar o elemento racial que permeia todos os diálogos e cenas da produção. Em certos instantes, o diretor cria um proprósito da invisibilidade dessa figura (as cenas sempre muito escuras à noite no começo), que vai se trasnformando em alguém que adquire essa luz (todo desenvolvimento da relação com Antonio – quando interpretado por Johnny Massaro – mostram bem isso). É realmente quase uma produção dialética, em que, no momento que o protagonista entende o todo, ele parece conseguir observar a própria existência de uma forma diferente.

Entre idas e vindas, Doutor Gama é um filme que realmente consegue causar o impacto que está buscando. Apesar da tentativa (meio fracassada) de explorar a relevância dessa figura para a história do país, Jefferson De consegue idealizar uma persona complexa, capaz de fazer qualquer coisa em busca dos ideários da luta. Contudo, ele prefere fazer o simples e conseguir alterar a forma como o sistema existe por dentro dele. Talvez uma pessoa tão difusa quanto Luís Gama merecesse uma produção que explorasse mais meandros dele. Porém, daqui, saímos com a certeza da sua magnitude.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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