Realidade e pesadelo em When We All Fall Asleep, Where Do We Go?

É extremamente complicado em um álbum de estreia realizar um trabalho tão coeso e contínuo como Billie Eilish consegue fazer em When We All Fall Asleep, Where Do We Go?. Existe realmente uma tentativa de uma busca sólida por uma condição quase depressiva e intensa, o que faz exacerbar um lado bastante pesado dentro dessa estrutura completa do CD. Esse fato poderia ser afastador de boa parte do público, porém é intrigante a forma na qual a cantora consegue expor isso, de maneira tão dançante e marcante, gerando um trabalho de debute realmente inesquecível. E no total estilo de Eilish.

A abertura com “!!!!!!!” funciona mais como uma forma de apresentar as representações sonoras não musicadas, ou seja, sons da gravação, conversas, risadas, entre outras questões. Isso aparenta ser esquisito, mas serve apenas para salientar uma certa tranquilidade, alívio para o público, imerso em um universo extremamente pesado. Tudo se inicia, então, com “bad guy”, faixa na qual traz uma batida bastante dançante e um refrão marcante nessa abordagem quase do hip-hop. A sequência com “xanny” serve bastante a um contraponto, mais lento, quase sob o efeito de uma droga mais lenta – temática aonde a própria letra fala sobre. É mais lenta, mais segura dentro dessa soturnidade sendo explorada de diferentes maneiras, quase uma porta de entrada para os ouvintes perceberem a flutuação do tema perante a musicalidade.

“you should see me in a crown” traz novamente um levamento mais ao hip-hop, porém com uma mistura bastante forte com o pop dos anos 90 e R&B. Todas essas ideias reforçam ainda essa condição de superioridade proposta pela mesma letra (você deveria me ver com uma coroa/eu vou mandar nessa cidade de nada/me veja fazer eles se curvarem). O ritmo é também mais forte nas batidas e no contra-baixo, fato interessante de se mostrar nas apresentações ao vivo. Continuando com “all the good girls go to hell” que gera uma nova proposta em termos da sua performance rítmica, trazendo novamente o contra-baixo mais fortificando e uma mistura estranhamente bizarra entre ska e R&B.

É deveras impressionante a nova mistura proposta em “wish you were gay”, na qual traz uma abordagem quase de jazz e blues, com batidas mais lentas e pesadas ao mesmo tempo, além da letra retratando sobre uma condição amorosa meio fracassada. É uma proliferação dessa continuidade meio depressiva, entretanto tendo noção disso claramente, quase como se essa questão fizesse parte da própria persona de Billie cantando, aonde a voz totalmente sofrida parece o ponto chave. Em “when the party’s over” tudo se prossegue, já que continua falando sobre um amor um tanto quanto triste e finalizado. Toda a composição com voz e piano reforçam a melancolia presente, o que se mostra ainda mais impressionante e esse se tornando um dos pontos mais pra baixo de todo o trabalho. “8” finaliza essa combinação musical em torno de uma mesma condição temática. Aqui, o ukulele se torna central, em uma faixa facilmente irreconhecível dentro das produções indies nacionais.

A volta a um pop mais cru e direto se dá em “my strange addiction” salientando essa amálgama entre comédia/verdade/juventude. As inserções de um trecho da série The Office compõe bem toda a brincadeira, além da batida quase constante lembrar bastante esse ideal de dopamento e vício na letra. Já “bury a friend” adentra mais nessa dopagem – se é que podemos dizer assim – e na melancolia da vida, com uma faixa falando sobre paralisia do sono e o medo da própria vida. Se remete bastante uma certa escalada em temos de fuga proposta pela batida, quase repetitiva. Todavia, é interessante a voz de Eilish soturna indo atrás do próprio público.

“iomilo” traz uma certa relação com um pop mais ‘feliz’, remetendo bastante a algo feito por Madonna no estopim de sua carreira. É bem mais dançante e presente, não a toa deverá ser bastante marcante nas apresentações feitas em shows. Em “listen before i go” é quase uma carta de despedida, já deixando bem claro pelo próprio título. A ideia quase orquestral com piano, voz e uns violinos bem finos trazem mais ainda pra baixo, iniciando toda essa etapa final do CD, que “i love you” avança, trazendo um clima de bastante desesperança, mesmo com algo presente dentro do espírito. É claramente uma canção para chorar relembrando de um amor errado. O fim com “goodbye” traz uma imagem quase de vilania (eu sou a vilã) e de uma morte iminente (Querido, eu não me sinto muito bem/E todas as boas meninas vão para o inferno/Mordo minha língua, espero meu tempo). O coral rememorando uma igreja parece ainda mais salientar um fundo de total desesperança.

When We All Fall Asleep, Where Do We Go? coloca claramente o nome de Billie Eilish como uma das queridinhas e promissoras do pop na atualidade. Misturando uma soturnidade bastante presente e composições melancólicas com uma certa risada disso tudo, a cantora parece ser uma representante bastante direta da geração do século XXI, visto que possui apenas 17 anos. Parece ainda mais impressionante o quanto Eilish salienta um medo constante do mundo, apenas pelo fato de ser jovem e estar dormindo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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