Crítica – Martin Eden

Jack London, importante escritor americano do ínicio do século XX, sempre esteve interessado em mudanças, transições. O seu romance mais famoso, O Chamado da Natureza, conta a história de um cão que aprende a abraçar seu lado mais selvagem, e O Lobo do Mar conta com trajetória similar, com um intelectual tendo que se transformar para sobreviver como marinheiro. Martin Eden, romance menos lembrado do autor, que agora chega às telas, retrata também uma jornada transformativa, mas agora o ponto final desta é menos claro do que os anteriores.

O longa de Pietro Marcello acompanha o personagem título, interpretado por Luca Marinelli, um jovem trabalhador italiano, que passa a se relacionar com a jovem de família rica Elena Orsini (Jéssica Orsini), e, por meio dela, passa a se interessar pelo mundo das artes. A partir disso, tudo desperta em Eden a paixão pela escrita, fazendo ele decidir por se tornar um escritor. A princípio rejeitado por seus escritos serem considerados tristes ou “crus” demais, as mudanças histórias passam a favorecer os contos do personagem, que encontra o sucesso, mas ainda lhe falta algo.

Martin Eden é, além de uma história de mudança, sobre conflitos, sejam eles pessoais (Eden com si mesmo e com o outros), de classe ou de perspectiva, muito desses conflitos vêm do plano de fundo do filme, a Itália do século XX, às voltas com os diversos movimentos políticos que agitaram o país, com o socialismo atuando com mais força na vida do protagonista, mesmo que ele não se identifique muito com a ideologia. Apesar de colocar o filme em um período histórico tão atribulado, Marcello parece pouco preocupado em lidar de fato com as questões da época de modo profundo – mesmo que um conflito importante esteja ligado a divergências ideológicas próprias do período – e acaba deixando o contexto geral um tanto vago. Isso se torna ainda mais frustrante já fica claro que o longa quer criar uma conexão clara entre a Itália em si e Martin, já que, em alguns momentos chave, insere imagens reais da história da italiana para ilustrar certas atribulações da narrativa. 

Uma possibilidade para esse tratamento oblíquo do período histórico poderia ser o da perspectiva da memória, como um flashback, já que o filme se inicia com um Eden envelhecido, porém não é o caso. Somente a história geral recebe esse tratamento, a jornada pessoal e romântica do protagonista transcorre de modo mais direto, lindamente ancorada pela fotografia analógica em 16mm, que realça tanto o romance, através das cores vivas e do foco suave, construindo uma ambientação acolhedora, quanto as situações mais urbanas, mostrando a vida das pessoas mais pobres, já que o grão do longa fornece um ar documental e mais “sujo” a situação.

Há de destacar também a atuação de Luca Marinelli, que torna um personagem que facilmente poderia ser insuportavelmente chato, em alguém carismático, mesmo que um tanto cáustico por vezes. A sede de conhecimento de Eden na primeira hora do filme é palpável, pelo modo como Marinelli dirige seu olhar a Elena – sua grande inspiração – e a partir do jeito que ele lida com os livros que compra. A vontade de saber dá lugar a uma melancolia indefinivel na segunda parte da obra, e Marinelli mantém o bom trabalho, mesmo que um pouco mais excessivo que o necessário.

Para realizar Martin Eden, Pietro Marcello fez alterações importantes a história, especialmente na geografia, já que a original se passava nos Estados Unidos, e se preocupou em criar uma relação entre a trama e o país, todavia a falta de especificidade acaba deixando tudo meio solto. Assim, o filme é um bom drama histórico, mas poderia ter sido mais.

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