Resenha – O Crepúsculo do Mundo (Werner Herzog)

Existe algo que pertence a toda extensão do trabalho do alemão Werner Herzog, seja no cinema, teatro, televisão ou na literatura: a humanidade fria. É interessante como isso está presente desde em um aspecto mais direto (pela natureza, por exemplo, que é predominante em obras como O Homem Urso ou Caminhando no Gelo) ou até em uma camada de complexidade dos seus personagens (Nosferatu, de 1979, reforça bem isso). São narrativas sempre muito introspectivas, em que vemos não necessariamente um desenvolvimento do protagonista, mas sim suas lamúrias, acima de qualquer elemento. E tudo isso em um terreno ao mesmo tempo que sombrio, também confuso, em que não há muito como saber o que será do futuro.

Desse jeito, O Crepúsculo do Mundo, novo livro dele lançado aqui pela editora Todavia, está diretamente relacionado a tudo que o artistas produziu anteriormente. Em especial pela forma como a escrita brinca com um olhar complexo e irônico perante a figura principal: o tenente Hiroo Onoda. Herzog descreve o futuro a priori, quando ele é avisado que a guerra, pelo qual está lutando todos esses anos, terminou. A partir disso tentamos observar essa figura e toda sua construção até aquele momento, especialmente em buscar de observar o que será do futuro desse homem. E para basear, o escritor traz um personagem real.

Onoda batalhava no meio do Japão com outros quatro combatentes no meio da Segunda Guerra Mundial. Com o fim do conflito, os Estados Unidos tomam a ilha, mas eles continuam por ali, resistindo. O que parecia fazer sentido inicialmente, começa a se transformar em uma intensa paranoia e fuga da realidade, já que todos estão atentos a uma guerra que já havia acabado a diversos anos. Mais especificamente, alguns deles ficam durante 30 anos até receberem a notícia pelo qual estiveram alienados durante tanto tempo. Em especial, a figura de Onoda é complexa, já que ele, a cada possibilidade de uma notícia contrária ao encerramento do conflito, divergia com essa possibilidade.

O Crepúsculo do Mundo tenta trazer para um universo contemporâneo uma narrativa presente em um imaginário coletivo, especialmente japonês. Da mesma forma que há um retrato direto dos medos e lutas de Hiroo, também existe uma construção das mudanças da sociedade mundial ao longo desse tempo, que parecem não comportar mais essas figuras do passado – a cena em que eles encontram o jornal cheio de anúncios representa bem essa questão. E isso em conjunto com uma ferida da Segunda Guerra, que nunca foi verdadeiramente cicatrizada. Em certo sentido, esses personagens um diálogo quase inexistente entre passado e presente no meio das mudanças ocorridas durante o século XX, especialmente após a década de 1950.

Por isso mesmo, Herzog constrói o protagonista nos flashbacks por uma camada menos pitoresca ou até agressiva, e mais preocupada com seus companheiros e colegas no meio da luta. Além disso, é uma figura imponente, inteligente e, sobretudo, conhecedora do terreno em que os tiros acontecem. Mas, para o autor, isso pouco importa, já que o aspecto humano dessa frieza de um universo em que não há possibilidade de felicidade, é o grande enfoque por parte das palavras e das páginas. Até por isso mesmo, o livro ser curto, incapaz de traduzir tantas coisas e apenas atrás do sentimento desse período.

Werner Herzog é um artista pouco descritivo com suas produções. A busca é criar uma conurbação entre o personagem principal e o ambiente. Já que Onoda não consegue felicidade por ainda sofrer com tudo que passou, ele nunca encontra um verdadeiro local que pode chamar de seu. As frases finais de O Crepúsculo do Mundo são uma espécie de ponta de esperança, mas que, ao mesmo tempo, demonstram um mundo se corroendo para essas figuras (seja relevantes ou não) do passado: “É somente no meio do gado do Mato Grosso que Onoda encontra alguma segurança. Seu coração bate no ritmo do dos animais, sua respiração respira com eles. Então ele sabe que está onde está. A noite se foi, e cardumes de peixe não sabem de nada”.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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