Resenha – O gato perdido (Mary Gaitskill)
O gato perdido é um livro difícil de ser descrito e caracterizado. Ao mesmo tempo que é um romance, também é um conto, também é um drama e também uma comédia. Talvez seja essa grande mistura que gere na obra, pela escrita de Mary Gaitskill, um interesse gigantesco por parte do público leitor. Ele se vê como parte de uma narrativa com suas várias ondas, momentos de subida e de queda, mas que refletem a vida de uma personagem curiosa. Além de tudo que já falei, se junta a mistura de ficção e autobiografia. A mistura e o que o torna tão atraente.
Apesar disso, a história começa dramática e triste. É através da perda do gato Gattino por parte de Gaitskill, um pequeno animal de apenas sete meses. Ele não tem um olho e é alvo de constantes buscas por parte da personagem e de sua família. Aliás, Gattino era um gato de rua na Itália e foi resgatado por ela para ser levado até os Estados Unidos. Enquanto sofre todos os males e traumas de uma perda – e do receio quase inerente que o bichano está morto – Mary reflete sobre outros traumas de sua vida, e da relação com três crianças: os dois irmáos Caesar e Natalia, além de Ezekial.
O gato perdido é claramente uma trama sobre pertencimento. Inicialmente, do pequeno animal, e da relação da autora com ele. Através desse bicho, ela se sentia parte de algo, assim como via que ele também se observava como parte dessa família. Porém, esse vazio da sua perda gera uma tentativa de colocar alguma humanidade no lugar. Para a protagonista (e autora), isso é feito através da conexão com essas crianças, em grande maioria pobres, que passam as férias de verão com a escritora e seu marido. Elas buscam pertencer a algo novo, fugir de uma realidade que as coloca como seres “menores” e “incapazes”. Ao mesmo tempo que Mary precisa pertencer a algo novo.
A escrita de Gaitskill coloca o leitor como parte de uma espécie de diário. Ele se vê como alguém por fora de todos os acontecimentos, ao mesmo tempo que quase uma parte integrante disso através das observações. Mais do que apenas narradora, a protagonista é uma personagem que quer refletir sobre cada acontecimento que passa – seja em uma conversa sobre cultura com uma das crianças, ou em uma pista sobre o paradeiro de Gattino. Entretanto, ela se vê como alguém frágil, assim o animal. Dentro dessas reflexões, se enxerga como uma pessoa incapaz de conseguir dar algo melhor para aquelas pessoas.
Mary Gaitskill também transforma seu livro em um gigantesco ciclo de percepções. Ao mesmo tempo que todos buscam pertencer, eles não são parte de nada. É justamente nesse olhar pós-moderno, em que nada é inteiramente fixo, que enxergamos figuras incapazes de conseguirem se ver como parte de algo. E isso fica muito claro por uma “falta de papéis”, já que a autora quer assumir como uma espécie de mãe, e, do mesmo modo, como uma conselheira. No fim das contas, é como se esse gato perdido, do título, fosse uma parte essencial da vida de todas essas personalidades. Todos estão, e são, perdidos no nosso mundo.
